SOBRE A RELAÇÃO COM AS TÉCNICAS E OS MATERIAIS EM ARTETERAPIA
por Flávia Hargreaves
fmhartes@gmail.com
Neste breve texto pretendo compartilhar com vocês minhas reflexões sobre a relação com os materiais plásticos em Arteterapia ou, como se costuma dizer, com a linguagem dos materiais. Muitas vezes, observo esta relação vista em uma perspectiva de se ter uma “certeza” ou uma “verdade” sobre suas aplicações e seus efeitos terapêuticos. O material ou técnica “x” é estruturante, organizadora, logo deverá ser oferecido ao cliente que necessite de estrutura e organização. A argila, por exemplo, próxima da natureza, largamente experimentada pelo homem desde a pré-história, se mostra muito mobilizadora de conteúdos arcaicos e deve ser utilizada com cautela, e por aí seguimos certas diretrizes ao lidar com os materiais e as técnicas artísticas no setting arteterapêutico. Não teremos muitas dificuldades em confirmar muitas destas abordagens. Voltando ao exemplo da argila, muitos arteterapeutas já presenciaram o cliente tendo inclusive reações físicas de mal estar no contato com ela, aversão pela “sujeira” do material, etc. Eu, por exemplo, não sinto nada ao manusear este material, acho no máximo relaxante.
Ao longo dos últimos anos, me propus uma jornada pelos materiais e pelas técnicas, mergulhando nas que mais me atraíam e/ou se colocavam diante de mim como um desafio, às vezes simultâneamente como agora, por exemplo, transito entre a aquarela e a escultura. Paralelamente observo com atenção como esta relação se dá no setting arteterapêutico. E, me dei conta do óbvio. Estamos falando de “relação”, então partimos das qualidades do material em si, mas o foco estaria na relação que cada um irá estabelecer com as mesmas, no “modo” particular como cada um irá lidar com as suas “facilidades” e “dasafios”. O meu cliente, como eu, pode não se sensibilizar com a argila, ou pode cair em prantos, e, desta forma, saímos das “verdades” e “certezas” dos efeitos de determinado material.
Minha intenção aqui não é a de negar o que se tem de estudos sobre a linguagem dos materiais e suas funções na prática da Arteterapia, isto nem faria sentido. Ou mesmo negar o que está implícito no material como a fluidez e transparência da aquarela diluída; a maleabilidade da argila; a ligação da aquarela com a água ou da argila com a terra. É minha obrigação saber que a argila e o gesso tem o seu momento maleável e ao secar tornam-se sólidos e rígidos. O que venho defender aqui é a importância para o arteterapeuta de se experimentar neste universo dos materiais, acreditando ser fundamental conhecer suas qualidades básicas, como saber que determinadas tintas irão diluir em água, outras irão repeli-la; alguns materiais se misturam, outros não, entrar em contato com suas técnicas e transgredi-las, explorando a dimensão “laboratório”, “cozinha experimental” das artes plásticas
Como nos prepararmos para quando cliente pergunta: “O que acontece se eu fizer isso ou aquilo e você não souber?” Será que temos que saber? Para nos prepararmos para este tipo de situação precisamos estar dispostos a penetrar na experiência com os materiais de Arte, criando intimidade e desenvoltura com os mesmos. Não podemos ocupar um lugar de estranheza diante da Arte e suas práticas e nem nos tornarmos repetidores de receitas. Mas voltando à pergunta, a meu ver a resposta não é conhecer todos os materiais e as técnicas, até porque seria impossível, mas sim termos experimentado muitas coisas do jeito “certo” e do jeito “errado”, assim teremos facilidade e segurança para lidar com um material ou proposta inusitada e nova. Estaremos aptos para ser aquela pessoa que dará o apoio necessário ao cliente na descoberta de novos caminhos na relação com os materiais e as técnicas, e como estamos falando de um processo terapêutico, novos caminhos na vida.
Seguindo este pensamento, costumo propor aos meus alunos que explorem o modo como cada material lhes afeta, e insistam por um longo tempo no mesmo material/técnica e se permitam descobrir novas possibilidades de aplicação na sua prática, ficar no mesmo material costuma reservar “surpresas”.
Esta experiência íntima na relação com os materiais que utilizamos no setting arteterapêutico, nos dará mais segurança e nos ajudará a lidar com os “erros”, quando uma proposta dá “errado”, nos levando para um novo caminho, imprevisto. O cliente usa o material da forma “errada” e cria soluções novas. E, nesta perspectiva a Arteterapia irá se aproximar da Arte, afinal os artistas fazem isto, transgridem as regras, erram, insistem, buscam, exploram e CRIAM.
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Ver também:
Aquarela, Geometria e Arteterapia
Arteterapia: conhecendo os materais e aprendendo a usá-los
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texto publicado originalmente em 02/05/2016: http://nao-palavra.blogspot.com.br/
fmhartes@gmail.com
Fotografia: Fernando Hargreaves.
Neste breve texto pretendo compartilhar com vocês minhas reflexões sobre a relação com os materiais plásticos em Arteterapia ou, como se costuma dizer, com a linguagem dos materiais. Muitas vezes, observo esta relação vista em uma perspectiva de se ter uma “certeza” ou uma “verdade” sobre suas aplicações e seus efeitos terapêuticos. O material ou técnica “x” é estruturante, organizadora, logo deverá ser oferecido ao cliente que necessite de estrutura e organização. A argila, por exemplo, próxima da natureza, largamente experimentada pelo homem desde a pré-história, se mostra muito mobilizadora de conteúdos arcaicos e deve ser utilizada com cautela, e por aí seguimos certas diretrizes ao lidar com os materiais e as técnicas artísticas no setting arteterapêutico. Não teremos muitas dificuldades em confirmar muitas destas abordagens. Voltando ao exemplo da argila, muitos arteterapeutas já presenciaram o cliente tendo inclusive reações físicas de mal estar no contato com ela, aversão pela “sujeira” do material, etc. Eu, por exemplo, não sinto nada ao manusear este material, acho no máximo relaxante.
Ao longo dos últimos anos, me propus uma jornada pelos materiais e pelas técnicas, mergulhando nas que mais me atraíam e/ou se colocavam diante de mim como um desafio, às vezes simultâneamente como agora, por exemplo, transito entre a aquarela e a escultura. Paralelamente observo com atenção como esta relação se dá no setting arteterapêutico. E, me dei conta do óbvio. Estamos falando de “relação”, então partimos das qualidades do material em si, mas o foco estaria na relação que cada um irá estabelecer com as mesmas, no “modo” particular como cada um irá lidar com as suas “facilidades” e “dasafios”. O meu cliente, como eu, pode não se sensibilizar com a argila, ou pode cair em prantos, e, desta forma, saímos das “verdades” e “certezas” dos efeitos de determinado material.
Minha intenção aqui não é a de negar o que se tem de estudos sobre a linguagem dos materiais e suas funções na prática da Arteterapia, isto nem faria sentido. Ou mesmo negar o que está implícito no material como a fluidez e transparência da aquarela diluída; a maleabilidade da argila; a ligação da aquarela com a água ou da argila com a terra. É minha obrigação saber que a argila e o gesso tem o seu momento maleável e ao secar tornam-se sólidos e rígidos. O que venho defender aqui é a importância para o arteterapeuta de se experimentar neste universo dos materiais, acreditando ser fundamental conhecer suas qualidades básicas, como saber que determinadas tintas irão diluir em água, outras irão repeli-la; alguns materiais se misturam, outros não, entrar em contato com suas técnicas e transgredi-las, explorando a dimensão “laboratório”, “cozinha experimental” das artes plásticas
Como nos prepararmos para quando cliente pergunta: “O que acontece se eu fizer isso ou aquilo e você não souber?” Será que temos que saber? Para nos prepararmos para este tipo de situação precisamos estar dispostos a penetrar na experiência com os materiais de Arte, criando intimidade e desenvoltura com os mesmos. Não podemos ocupar um lugar de estranheza diante da Arte e suas práticas e nem nos tornarmos repetidores de receitas. Mas voltando à pergunta, a meu ver a resposta não é conhecer todos os materiais e as técnicas, até porque seria impossível, mas sim termos experimentado muitas coisas do jeito “certo” e do jeito “errado”, assim teremos facilidade e segurança para lidar com um material ou proposta inusitada e nova. Estaremos aptos para ser aquela pessoa que dará o apoio necessário ao cliente na descoberta de novos caminhos na relação com os materiais e as técnicas, e como estamos falando de um processo terapêutico, novos caminhos na vida.
Seguindo este pensamento, costumo propor aos meus alunos que explorem o modo como cada material lhes afeta, e insistam por um longo tempo no mesmo material/técnica e se permitam descobrir novas possibilidades de aplicação na sua prática, ficar no mesmo material costuma reservar “surpresas”.
Esta experiência íntima na relação com os materiais que utilizamos no setting arteterapêutico, nos dará mais segurança e nos ajudará a lidar com os “erros”, quando uma proposta dá “errado”, nos levando para um novo caminho, imprevisto. O cliente usa o material da forma “errada” e cria soluções novas. E, nesta perspectiva a Arteterapia irá se aproximar da Arte, afinal os artistas fazem isto, transgridem as regras, erram, insistem, buscam, exploram e CRIAM.
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Ver também:
Aquarela, Geometria e Arteterapia
Arteterapia: conhecendo os materais e aprendendo a usá-los
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texto publicado originalmente em 02/05/2016: http://nao-palavra.blogspot.com.br/
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