REFLEXÕES DE UMA QUARENTENA
por Maria Cristina de Resende
Hoje o artes.LOCUS recebe a terapeuta Maria Cristina de Resende, amiga e parceira de longa data, compartilhando conosco suas reflexões diante do emparedamento imposto a todos nós neste período de quarentena.
Boa leitura,
Flávia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS
Quando Flávia me convidou para escrever
um texto sobre este momento que atravessamos, imediatamente pensei em dar
minhas contribuições profissionais para os leitores do Blog, entretanto, ao
passar das semanas fui experimentando em mim mesma os efeitos do mal falado
isolamento social.
Logo no início, assim que divulgada as
primeiras medidas de isolamento social, me prontifiquei a fazer um vídeo
expondo três pontos importantes para ficarmos atentos neste momento: a
dificuldade com as crianças e seus estudos, os idosos e o agravamento de um isolamento
que já pudessem estar vivendo mesmo antes da pandemia e dos pacientes em
tratamento medicamentoso psiquiátrico e o agravamento do quadro pelo fator
estressor do isolamento. Dei entrevistas falando da importância de se
reconstruir uma rotina dentro de casa, seja incluindo trabalho ou não, os
estudos dos filhos ou não e as tarefas domésticas. Apontei para o fortalecimento
do diálogo intrafamiliar diante de um contexto não favorável como conflitos
entre pais e filhos, entre o casal e ate mesmo a dissolução de casamentos neste
período.
Sabendo de todas as questões que a
psicologia poderia me munir para o meu próprio enfrentamento, busquei no início
estabelecer minha rotina diária. O trabalho manteve seus horários, os pacientes
aderiram ao consultório virtual e a demanda pela leitura, textos e
participações com parceiros de trabalho ate aumentaram. Ótimo! O tempo foi preenchido.
Os exercícios físicos estavam sendo mantidos, o treinador os enviava pelas
redes sociais e compartilhávamos nossa execução felizes pela manutenção da
prática e pela inundação de endorfina no corpo. O sono estava bem e a
alimentação inabalável.
Mas tudo que é novo se acomoda, como
aquele jeans apertado quando novo e que aos poucos se acomoda no corpo e até
mesmo afrouxa. Pois assim aconteceu ao longo das semanas.
O trabalho, os estudos da pós e os demais
estudos diante da prática clínica mantinham minha atenção para fora, me
capturavam e me davam prazer ao longo da semana. Todo o resto estava voltado
para dentro. O isolamento social me levou para outro lugar, o isolamento em mim
mesma.
Neste processo de total introversão um
mundo de questões latentes e outras adormecidas começaram a sacolejar dentro de
mim e os finais de semana, sem o objeto de exteriorização que era o trabalho,
começaram a ficar difíceis nas ultimas duas semanas, mesmo com as ferramentas que
a psicologia me fornecia. Minha análise e uma boa taça vinho tinto eram minhas válvulas
de escape.
A ansiedade alterou meu sono, minha
alimentação entrou em modo autodestruição e os exercícios já me eram custosos
demais. Nenhuma endorfina me parecia mais atraente que um repouso na varanda
com meu gato, minhas plantas, o tal vinho e meus pensamentos que muitas vezes
me levavam a beira do limite da ansiedade.
Um belo dia parei de me culpar achando
que deveria seguir todas as instruções que a psicologia positiva nos fornecia e
decidi mergulhar neste botão vermelho e ver ate onde essa implosão me levava. E
me levou ao centro de uma questão que muitos de nós, sujeitos urbanos e ocidentais
de consumo, nos deparamos de tempos em tempos quando nos questionamos sobre
nossa vida. “O que eu estou fazendo para atrapalhar minha autorrealização?” Essa
frase, do documentário Yoga, Arquitetura da Paz, me fez pensar sobre essa
oportunidade, para alguns de nós, de refletirmos sobre nossas realizações no
mundo exterior e o quanto elas estão alinhadas com uma verdade de alma, capaz
de edificar as mudanças que queremos construir em nossa vida.
Ao deixar esta pergunta se movimentar
dentro de mim algo ficou claro. Podemos organizar nossa rotina da melhor e mais
saudável forma para nós, podemos nos relacionar da forma que mais faz sentido
para nós, podemos e, até mesmo devemos, buscar compreender nosso modus
operandi seja através da psicoterapia e de outras terapias de autoconhecimento,
mas quando chega aquele momento em que nada está sob nosso controle e tudo que
podemos fazer é aguardar, é nesse momento em que as perguntas surgem fazendo loopings
em nossa mente e trazendo à tona tudo que não investimos atenção quando está
tudo “normal”. E podemos fazer isso sem culpa, sem cobrança, sem pressa, sem
julgamento, apenas acolhendo o que vier, dando atenção ao que vier, sendo
carinhosa consigo mesma, pois esse é o momento para isso.
Muitos enfatizam que sairemos dessa
quarentena melhores. Tenho dúvidas quanto a isso. Não que eu seja pessimista ou
fatalista. Mas a mudança é construída, com calma e persistência, tudo aquilo
que muda muito rápido e nos coloca diante do desconhecido nos parece ameaçador
demais e como um instinto de sobrevivência egoico tendemos a nos voltar ao conhecido. Para olharmos para frente, para a tal mudança que
está evidente que todos querem, é preciso caminhar através deste desconhecido,
dar um salto de fé, se permitir mergulhar nessas questões que brotam das
profundezas nesse período e digeri-las com amor e consciência. Sem culpa, sem
controle, sem medo, pois esses são os sentimentos que farão eu e você adoecerem
nesta quarentena.
"Rooms By The Sea" (1951). Edward Hopper (1882-1967). Fonte: wikiart.org |
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Maria Cristina de Resende
Formada em Psicologia, Arteterapia, Psicologia Junguiana e Pós-graduanda em Saúde da Mulher e Psicologia.
Formada em Psicologia, Arteterapia, Psicologia Junguiana e Pós-graduanda em Saúde da Mulher e Psicologia.
Dedica sua prática profissional ao atendimento clínico, grupos de estudo e grupos de mulheres com diversas abordagens em saúde e autoconhecimento.
Terapeuta Floral e estudiosa das medicinas tradicionais como a Ayurveda, Xamanismo e o Sagrado Feminino.
psi.mcresende@gmail.com
@psi.mariacristinaresende
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