BREVE HISTÓRIA DA ARTETERAPIA

por Isabel Cristina Pires

Hoje, o artes.LOCUS recebe Isabel Cristina Carvalho Pires, jornalista, psicóloga e arteterapeuta com formação em Antiginástica ®Thérèse Berthera, compartilhando conosco sua pesquisa sobre a história da Arteterapia/as abordagens da Arteterapia/ as correlações entre arte, psicologia e arteterapia, a partir da sua Monografia de conclusão do curso de Psicologia, intitulada “Arte como transformação: articulações entre o pensamento de Vygotsky, a psicologia e a arteterapia”, apresentada em dezembro de 2019. 
Este conteúdo foi dividido em 4 partes, iniciando com "Breve História da Arteterapia".
Boa leitura,
Flavia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS

BREVE HISTÓRIA DA ARTETERAPIA
por Isabel Cristina Pires

Foto de Roman Koval. Canva.

A história da arteterapia no Brasil e no mundo se relaciona com os primeiros usos da arte na psiquiatria, na psicanálise e na psicoterapia, o que se dá no final do século XIX e início do século XX. É somente neste período que a expressão artística passa a ser relacionada, por cientistas, filósofos e personagens da esfera artística, ao mundo da subjetividade. De acordo com Vasconcellos e Giglio (2007, p. 376), existem vários pesquisadores que interligaram arte e saúde mental no período citado, como, por exemplo: “Tardieu, em 1872; Simon, em 1876 e 1888; Lombroso, em 1889; Mohr, em 1906; Rejà, em 1907 e Prinzhorn, em 1922”. Aqueles autores destacam, dentre os nomes que acabamos de citar, os de Mohr e Prinzhorn. O primeiro publicou um trabalho sobre a produção artística de doentes mentais, o qual influenciou pesquisas posteriores que levaram à elaboração de testes projetivos ainda hoje muito utilizados na psicologia e na psicanálise. Já Prinzhorn publicou, em 1922, o livro A expressão da loucura, reconhecendo as produções dos doentes mentais como verdadeiras produções de arte e ressaltando a integridade da capacidade criadora desses pacientes em contraposição à ideia, vigente em sua época, de desintegração psíquica presente nas doenças mentais.

No mesmo período histórico, Freud, considerado pai da psicanálise, também publicou textos nos quais analisa obras de arte (entre elas, o Moisés de Michelangelo, em 1914) e reconhece as imagens artísticas como manifestações do inconsciente, que escapam à censura do ego. Para Freud, essas imagens também representam uma forma de sublimação de instintos sexuais e agressivos e, assim, possuem função catártica. Mas, segundo Urrutigaray (2011), Freud nunca pediu a seus pacientes que fizessem alguma atividade plástica. Já Jung, criador da psicologia analítica e ex-discípulo de Freud, introduz a arte como parte do processo psicoterapêutico de seus pacientes. Para ele, o uso de técnicas expressivas auxiliava no resgate do sentido de viver, já que possibilitava ao paciente passar por experiências “onde a sensibilidade pode unir-se à racionalidade, originando novos cenários possíveis à vida humana” (URRUTIGARAY, 2011, p. 25). Ainda segundo Urrutigaray (2011), Jung acreditava que, a partir da forma criada (imagem), o indivíduo consegue traduzir o indizível. Para o pai da psicologia analítica, as imagens produzidas pelos pacientes eram símbolos do inconsciente individual e do inconsciente coletivo.

No entanto, até então, não se empregava o termo arteterapia nesses trabalhos. Bitonte e De Santo (2014) creditam a origem da expressão arteterapia a Adrian Hill, artista plástico e terapeuta, que, em 1945, publicou o livro Arte versus Doença. Nesta obra, Hill descreve os benefícios da arte a partir de sua experiência de recuperação de uma tuberculose, através da pintura, em 1938. Em 1946, Hill trabalhou no hospital psiquiátrico Netherene, no Reino Unido, tornando-se o primeiro arteterapeuta oficial. E, mais tarde, foi presidente da British Association of Art Therapists.

Curioso notar que, antes disso, em 1941, Margareth Naumburg já havia desenvolvido e organizado um trabalho que denominava Arteterapia de Orientação Dinâmica, com base na psicanálise. Talvez por isso, na história da arteterapia, Naumburg seja considerada sua fundadora, por ser a primeira a sistematizar os fundamentos próprios a essa área, conforme Vasconcellos e Giglio (2007, p.376). Ainda segundo esses autores, para Naumburg, “cada indivíduo tem uma capacidade latente de projetar seus conflitos internos em forma visual”, porque tais conflitos se expressam em imagens, não em palavras.

Outros nomes importantes na sistematização da arte como processo terapêutico, citados por Vasconcellos e Giglio (2007), são: Edith Kramer, na década de 50, autora de livros e artigos sobre arteterapia; Françoise Dolto, que usava a arte para se comunicar com crianças, na década de 70; Janie Rhyne, que aplica a Gestalt terapia ao trabalho com arte, nos anos 70, e Natalie Rogers, a qual usava a Teoria Centrada na Pessoa (de Carl Rogers, seu pai) para trabalhar arte em terapia, na década de 70.

No Brasil, conforme afirmam Tavares e Prestes (2018), o pioneiro no estudo sobre a relação entre arte e doença mental no Brasil foi Ulysses Pernambuco, um nome raramente mencionado na história sobre o tema. Na década de 20, Pernambuco estudava o vínculo entre arte e loucura ao trabalhar com arte no Hospital da Tamarineira, no estado de Pernambuco, e as produções artísticas de seus pacientes foram usadas na tese de Silvio Moura, Manifestações Artísticas nos Alienados, a primeira publicação brasileira sobre o assunto, datada de 1923.

Observa-se, também, que, nas pesquisas sobre o histórico da arteterapia no Brasil, é frequente a menção dos nomes de Osório César e de Nise da Silveira como pioneiros no uso da expressão artística como proposta terapêutica. Segundo a pesquisadora e psicóloga social Alice Casanova dos Reis (2014 b), Osório César, nos anos 20, trabalhou com pacientes internos do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, em São Paulo, onde criou a Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri. Em 1929, César publica A expressão artística nos alienados, sua principal obra, na qual introduz sua metodologia de análise das obras de pacientes psiquiátricos, a partir de uma visão freudiana de leitura da arte. De acordo com Reis (2014), Osório César realizava exposições – fez mais de 50 – com os trabalhos artísticos de seus pacientes, como forma de ressaltar a dignidade humana dos doentes mentais.

Já Nise da Silveira, que era psiquiatra, desenvolveu seu trabalho terapêutico com arte na década de 40, no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Enquanto Osório César se vale da psicanálise, Nise utiliza a abordagem junguiana na leitura das obras de arte de seus pacientes. Utilizando, sobretudo, a pintura e a modelagem, Nise acreditava na cura dos pacientes através da expressão artística e não gostava de usar a palavra arte, pois, na sua visão, esta transmite uma ideia de valor estético, o que estava fora dos objetivos do seu trabalho.  Na prática realizada por Nise, os pacientes criavam espontaneamente, escolhendo, dentre os materiais disponíveis, aqueles que desejavam utilizar, sem a orientação da monitora, que apenas acompanhava, mas não direcionava as atividades. Exatamente por isso, Nise rejeitava a designação de arteterapia ao seu trabalho, porque entendia que as criações dos pacientes não deviam ser interpretadas, como na arteterapia desenvolvida, naquela época, por Naumburg (REIS, 2014 b).

Segundo Tavares e Prestes (2018), outra autora importante na história da arteterapia brasileira foi Maria Margarida M. J. de Carvalho, que, em 1964, organizou um curso de extensão na USP, com Hana Kawiatkowska, sobre arteterapia familiar e, a partir de 1968, passou a ministrar cursos na área. Coordenadora do livro A arte cura? Recursos artísticos em Psicoterapia, de 1995, Margarida de Carvalho foi quem primeiro promoveu um Curso de Arteterapia no Brasil, em 1980, no Instituto Sedes Sapientae, em São Paulo, de acordo com Reis (2014).

Outro momento importante para a arteterapia no Brasil foi a criação, em 1982, da Clínica Pomar, no Rio de Janeiro, sob a coordenação de Angela Philippini, que oferece cursos de formação e de especialização em arteterapia na abordagem junguiana (Reis, 2014 b). Philippini, diretora acadêmica da AARJ (Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro), já escreveu diversos livros importantes na área, na qual atua como docente e arteterapeuta, formada pelo Institut National d’Expression, de Création, d’Art et Transformation (INECAT), em Paris, no ano de 1984. Em entrevista a Flávia Hargreaves para o blog Artes Locus, em maio de 2019, Angela Philippini conta que, quando iniciou a primeira turma de formação em Arteterapia da Pomar, em 1984, não havia  arteterapeutas formados no Brasil, então foi preciso convidar professores diplomados no exterior. Além disso, ela pôde contar com o material didático que Diane Rode (EUA), arteterapeuta-chefe do Hospital Monte Sinai, disponibilizou para seu curso pioneiro no Brasil.

Reis (2014 b) lembra, também, a introdução da abordagem gestáltica na arteterapia brasileira, a partir do curso de especialização de Selma Ciornai, no Sedes Sapientae, em 1990. Segundo a autora, atualmente outras abordagens têm sido agregadas ao trabalho de arteterapia no Brasil, como a rogeriana, a antroposófica, a transpessoal, entre outras. No entanto, as principais abordagens no Brasil são a junguiana, a psicanalítica e a gestáltica. Mas também existe um trabalho de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina que aplicam os princípios de Vygotsky sobre a psicologia da arte em grupos de arteterapia, caracterizando, assim, uma nova abordagem, a saber a histórico-cultural ou abordagem sócio-interacionista. Falarei sobre as diferentes abordagens de arteterapia no meu próximo texto.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
·  CIORNAI, Selma (org.). Percursos em arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia. São Paulo: Summus Editorial, 2004.Disponível em: <https://www.ubaatbrasil.com/> Acesso em: 02/09/2019.
·   NAUMBURG, M. An introduction to art therapy: Studies of the “free” art expression of behavior problem children and adolescents as a means of diagnosis and therapy. New York, NY: Teachers College Press. (Original work published 1947), 1973.
·  PHILIPPINI, A. Universo Junguiano e Arteterapia. Coleção de Revistas de Arteterapia Imagens da Transformação, Rio de Janeiro, volume II, n. 2, 1995. Pomar.
·  REIS, A. (2014 a). A arte como dispositivo à recriação de si: uma prática em psicologia social baseada no fazer artístico. Barbaroi Revista do Departamento de Ciências Humanas, Santa Cruz do Sul, 2014, n.40, pp. 246-263. Disponível em: < https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/3386> Acesso em: 08/10/2019.
·  REIS, A. (2014 b). Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do psicólogo. Revista Psicologia Ciência e Profissão, 2014, Brasília, v. 34, no 1, pp. 142-157. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932014000100011> Acesso em: 05/09/19.
·   RHYNE. J. Arte e gestalt: padrões que convergem (M. B. P. Norgren, trad.). São Paulo: Summus, 2000.
·  ZANELLA, A. e MAHEIRIE, K., orgs. Diálogos em Psicologia Social e a Arte. 1 ed. Curitiba: Editora CRV, 2010.
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Isabel Cristina Pires
A autora é arteterapeuta e psicóloga. Tem formação e experiência em Antiginástica ® Thèrese Bertherat, é jornalista e professora de inglês e francês. Realiza atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.
bel.antigin@gmail.com




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Comentários

  1. Martha Aded (via facebook em 15/04/20)
    Ansiosa para ler as outras 3 partes...parabéns por publicar e tornar o acesso coletivo. Fui grandemente beneficiada pela leitura dessa primeira parte. Que venham as outras!...

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  2. Gostei... Texto bastante plausível ao estudo da Arteterapia. Parabéns.

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