ALGUMAS ABORDAGENS DA ARTETERAPIA NO BRASIL

por Isabel Cristina Pires

O artes.LOCUS recebe mais uma vez Isabel Cristina Carvalho Pires, dando continuidade aos textos referentes a sua pesquisa apresentada como Monografia de conclusão do curso de Psicologia, intitulada “Arte como transformação: articulações entre o pensamento de Vygotsky, a psicologia e a arteterapia”, apresentada em dezembro de 2019. 
Este conteúdo foi dividido em 4 partes (história da Arteterapia/as abordagens da Arteterapia/ as correlações entre arte, psicologia e arteterapia), tendo iniciado com "Breve História da Arteterapia"< breve-historia-da-arteterapia >.
No texto de hoje vamos conhecer algumas abordagens da Arteterapia no Brasil.
Isabel é jornalista, psicóloga e arteterapeuta com formação em Antiginástica ®Thérèse Berthera.
Boa leitura,
Flavia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS

ALGUMAS ABORDAGENS DA ARTETERAPIA NO BRASIL
por Isabel Cristina Pires

Foto de HoliHo--5598375. Canva.

No meu texto anterior breve-historia-da-arteterapia >, contei um pouco sobre a história da arteterapia no mundo e no Brasil. Neste texto, vou falar das principais abordagens psicológicas que embasam o trabalho do arteterapeuta no Brasil hoje, ou seja, a junguiana, a psicanalítica e a gestáltica. Além disso, mencionarei o trabalho arteterapêutico sob a abordagem sócio-interacionista de Vygotsky, , psicólogo russo que desenvolveu seu trabalho no início do século XX.

A arteterapia junguiana se desenvolve a partir da teoria de Carl Gustav Jung, criador da Psicologia Analítica. No Brasil, começa com o trabalho de Nise da Silveira que encontrou, na teoria junguiana, respostas para a melhor compreensão dos trabalhos artísticos de seus pacientes.

Na abordagem junguiana, a atividade artística tem a função de mediar a produção de símbolos advindos do inconsciente e manifestos nas imagens produzidas pelo indivíduo. Para Jung, o símbolo busca integrar o que é desconhecido – o inconsciente – e a consciência. Segundo Philippini (1995, p. 2), o símbolo “aglutina e corporifica a energia psíquica, para que o indivíduo possa entrar em contato com níveis mais profundos e desconhecidos do seu próprio ser (...)”. Quando constelado através dos materiais artísticos, o símbolo leva à estruturação e à transformação dos estados emocionais que lhe originaram. Portanto, transformam a energia psíquica e, por isso, são fundamentais na arteterapia, cabendo ao arteterapeuta oferecer os meios adequados para viabilizar este processo. Em arteterapia, de acordo com Philippini (1995, p. 3), o símbolo é a fusão da energia psíquica do indivíduo com o material expressivo utilizado, o que resulta em formas, “criando e recriando mundos, expressando dores e esperanças de vir a ser”. Assim, conforme Reis (2014 a), os símbolos que surgem nas manifestações artísticas são mais do que simples projeções de conteúdos do inconsciente, já que também são responsáveis pela transformação qualitativa de tais conteúdos e atuam no equilíbrio psíquico.

Deste modo, na arteterapia junguiana, o arteterapeuta deve procurar oferecer ao paciente os recursos artísticos mais adequados para que aspectos sombrios de sua psique possam ser iluminados e sua energia psíquica possa fluir livremente. Além disso, Philippini (1995, p. 3) aponta que o conteúdo simbólico criado durante o processo arteterapêutico deverá ser amplificado: “A peculiaridade desta abordagem estará configurada nas estratégias de amplificação do material simbólico produzido nas sessões” (grifos do autor), através de associações e analogias das produções artísticas com informações simbólicas de mitos, contos de fadas, lendas, isto é, dos registros do inconsciente coletivo.

Já a linha psicanalítica da arteterapia começa com o trabalho de Margaret Naumburg, com a arteterapia de orientação dinâmica. Conforme Ciornai (2004), Naumburg escreveu o primeiro livro na área, chamado Introdução à Arteterapia (1973), republicação de uma pesquisa sua, de 1947. Naumburg trabalhava com o conteúdo inconsciente expresso nas imagens artísticas produzidas e solicitava ao paciente que, em associação livre, buscasse o significado simbólico de suas produções artísticas. De acordo com Reis (2014 b), baseava seu trabalho na ideia de Freud de que o inconsciente se expressaria mais em imagens do que em palavras; tais imagens poderiam, assim, ser relacionadas a medos, fantasias, conteúdos oníricos, memórias infantis e conflitos do paciente. Além disso, para Naumburg, as imagens materializadas sobrepujam as dificuldades da linguagem verbal. Desta forma, a arteterapia diminui o tempo de terapia e a transferência negativa.

Outro nome importante na arteterapia psicanalítica é o de Edith Krammer, que se vale da ideia freudiana de arte como sublimação (processo pelo qual as pulsões sexuais são desviadas de seu objeto para as atividades culturais).  Para ela, segundo Reis (2014 b), o próprio fazer arte já era terapêutico, sem haver necessidade de interpretações nem verbalizações. Para Krammer, a atividade criadora e artística leva à resolução do conflito entre o id e o superego, ocasionando o fortalecimento do ego e o equilíbrio psíquico. Assim, cabe ao arteterapeuta oferecer o recurso artístico ao paciente para que possa encontrar uma válvula de escape de desejos, sentimentos, impulsos, pensamentos – socialmente inaceitáveis –, evitando que sejam recalcados e que retornem como sintomas. Conforme Ciornai (2004), Edith Krammer também acreditava que o ensino da arte poderia levar à promoção da saúde coletiva.

Desenvolvida por Janie Rhyne, a arteterapia gestáltica articula os conceitos da Gestalt Terapia à utilização de técnicas e materiais artísticos. Foi sistematizada por Rhyne em 1973 no livro The Gestalt Art Experience, publicado no Brasil com o título de Arte e Gestalt: Padrões que Convergem. Aqui no Brasil, a arteterapia gestáltica encontra voz no trabalho de Selma Ciornai, que leciona e coordena o curso de arteterapia gestáltica no Instituto Sedes Sapientiae, em Porto Alegre (REIS, 2014 b).

Reis (2014 b) explica que, na arteterapia gestáltica, existe um conceito importante, central na Gestalt: o da percepção. Assim, o processo arteterapêutico gestáltico visa ampliar a percepção do indivíduo sobre si mesmo, através da observação e correlação entre as formas criadas e a subjetividade do criador. O objetivo é que o indivíduo entenda, a partir da expressão artística, a maneira como percebe o mundo e a si mesmo. Deste modo, a obra criada passa a ser uma ponte entre o mundo interno e externo do criador, ampliando sua awareness (termo fundamental na Gestalt-terapia, sem tradução exata, com um sentido aproximado de autopercepção para uma maior consciência).

No sul do Brasil, em Santa Catarina, existem relatos de trabalhos feitos com arte e em arteterapia com o aporte da psicologia social sócio-cultural, de Vygotsky. Nomes importantes desse trabalho são Andréa Zanella, Alice Casanova dos Reis, Kleber Prado Filho e Kátia Maheirie, que desenvolvem pesquisas no NUPRA e publicam artigos acadêmicos. Partindo da concepção de sujeito como um ser socialmente determinado, a abordagem vygotskyana entende o indivíduo como alguém formado pelo social, sendo produto do contexto histórico e cultural em que se insere, mas alguém que, igualmente, produz e transforma a realidade. Nesta concepção, “o sujeito é um processo contínuo de vir a ser em relação, com um outro. O sujeito é um agente de transformações que ao transformar a realidade se transforma, constituindo um novo sujeito e uma nova realidade (...)” (ZANELLA E MAHEIRIE, ORG., 2010, P. 13). Para Vygotsky, a arte sempre implica em transformação e atua no psiquismo do indivíduo, modificando-lhe a consciência. Assim, o trabalho arteterapêutico que se baseia nos princípios deste psicólogo russo entende que a arte, como atividade criadora, permite que o indivíduo se recrie e recrie a sua realidade, tornando-se ator do cenário social no qual se insere e, simultaneamente, autor de sua realidade interna, também. A meu ver, essa abordagem é fundamental para que o sujeito compreenda seu papel e sua atuação na sociedade e tenha a possibilidade de se ver como agente transformador do seu contexto social. Além disso, a arteterapia baseada no sócio-interacionismo enxerga o sujeito como um (re)criador de si e a arte como mediadora do processo de transformação do psiquismo do indivíduo.

Em todas as abordagens citadas, o que se pode notar em comum entre elas é a visão de homem como ser criativo, capaz de criar e de se recriar através das diferentes formas de expressão artística.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

·  CIORNAI, Selma (org.). Percursos em arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia. São Paulo: Summus Editorial, 2004.Disponível em: <https://www.ubaatbrasil.com/> Acesso em: 02/09/2019.
·   NAUMBURG, M. An introduction to art therapy: Studies of the “free” art expression of behavior problem children and adolescents as a means of diagnosis and therapy. New York, NY: Teachers College Press. (Original work published 1947), 1973.
·  PHILIPPINI, A. Universo Junguiano e Arteterapia. Coleção de Revistas de Arteterapia Imagens da Transformação, Rio de Janeiro, volume II, n. 2, 1995. Pomar.
·  REIS, A. (2014 a). A arte como dispositivo à recriação de si: uma prática em psicologia social baseada no fazer artístico. Barbaroi Revista do Departamento de Ciências Humanas, Santa Cruz do Sul, 2014, n.40, pp. 246-263. Disponível em: < https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/3386> Acesso em: 08/10/2019.
·  REIS, A. (2014 b). Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do psicólogo. Revista Psicologia Ciência e Profissão, 2014, Brasília, v. 34, no 1, pp. 142-157. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932014000100011> Acesso em: 05/09/19.
·   RHYNE. J. Arte e gestalt: padrões que convergem (M. B. P. Norgren, trad.). São Paulo: Summus, 2000.
·  ZANELLA, A. e MAHEIRIE, K., orgs. Diálogos em Psicologia Social e a Arte. 1 ed. Curitiba: Editora CRV, 2010.

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Isabel Cristina Pires
A autora é arteterapeuta e psicóloga. Tem formação e experiência em Antiginástica ® Thèrese Bertherat, é jornalista e professora de inglês e francês. Realiza atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.
bel.antigin@gmail.com



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