ARTE, PSICOLOGIA , ARTETERAPIA E VYGOTSKY – PARTE 1
por Isabel Cristina Pires
O artes.LOCUS recebe mais uma vez Isabel Cristina Carvalho Pires, dando continuidade aos textos referentes a sua pesquisa apresentada como Monografia de conclusão do curso de Psicologia, intitulada “Arte como transformação: articulações entre o pensamento de Vygotsky, a psicologia e a arteterapia”, apresentada em dezembro de 2019.
Este conteúdo foi dividido em 4 partes: [1] "Breve História da Arteterapia"< história da arteterapia > ; [2] "Algumas Abordagens da Arteterapia no Brasil" < abordagens da arteterapia>; [3 e 4] "Arte, Psicologia, Arteterapia e Vygotsky Parte 1 e 2.
Boa leitura,
Flavia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS
O artes.LOCUS recebe mais uma vez Isabel Cristina Carvalho Pires, dando continuidade aos textos referentes a sua pesquisa apresentada como Monografia de conclusão do curso de Psicologia, intitulada “Arte como transformação: articulações entre o pensamento de Vygotsky, a psicologia e a arteterapia”, apresentada em dezembro de 2019.
Este conteúdo foi dividido em 4 partes: [1] "Breve História da Arteterapia"< história da arteterapia > ; [2] "Algumas Abordagens da Arteterapia no Brasil" < abordagens da arteterapia>; [3 e 4] "Arte, Psicologia, Arteterapia e Vygotsky Parte 1 e 2.
O texto de hoje traz a primeira parte de "Arte, Psicologia, Arteterapia e Vygotsky".
Isabel é jornalista, psicóloga e arteterapeuta com formação em Antiginástica ®Thérèse Berthera.
Isabel é jornalista, psicóloga e arteterapeuta com formação em Antiginástica ®Thérèse Berthera.
Boa leitura,
Flavia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS
ARTE, PSICOLOGIA , ARTETERAPIA E VYGOTSKY – PARTE 1
por Isabel Cristina Pires
É sabido por muitos que a arte possui uma dimensão
transformadora e aspectos terapêuticos e curativos, fatores fundamentais de
qualquer processo psicoterápico. Por isso, ela esteve presente nos trabalhos de
vários autores, como Freud, Jung, Silveira e em Vygotsky, como expressão
da subjetividade humana. Embora enxerguem a arte de maneiras diferentes, as
diversas abordagens psicológicas puderam tratar do valor da arte e abordar o
seu uso proveitoso em psicoterapia.
Por exemplo, os psicanalistas Vivian e Trindade (2003)
afirmam que a função estética permeia toda atividade humana e que, portanto, a
psicanálise deve se aproximar da experiência estética. Para os autores, Freud
(1914) já havia tratado dessa proximidade em alguns dos seus escritos, como,
por exemplo, O Moisés de Michelangelo, nos quais analisa as obras de
arte e seus artistas e se indaga sobre a natureza do processo de criação.
Segundo Vivian e Trindade (2003), o estudo de tal processo criativo da arte
contribui para o avanço do conhecimento em psicologia, pois esse processo
equivale à possibilidade de o artista resgatar metaforicamente a realidade, ao
inscrever a pulsão no psiquismo. Quando a pulsão é simbolizada no trabalho
artístico, o artista pode criar um significado para a sua experiência criativa
e, assim, se construir nas suas manifestações artísticas. Desta forma, os
autores citados entendem que o processo de criação se relaciona com a
satisfação do ser humano de se expressar, de imaginar, de comunicar e de dar
sentido ao que é desconhecido. Para Vivian e Trindade (2003, p. 119), criar é
tornar possível a própria vida, pois “o homem só é inteiramente feliz quando
cria”.
Em relação à criatividade, o psicanalista Rollo May (1982)
refuta a ideia de que ela seja um produto da neurose, conforme acredita nossa
cultura. Para May, o processo criativo deve, contrariamente ao cenário cultural
vigente, ser estudado como “o mais alto grau de saúde emocional, a expressão de
pessoas normais, no ato de atingir a própria realidade” (MAY, 1982, p. 39). No
ato de criar, o artista se regozija, pois atinge um estado de espírito
resultante da experiência de realização de suas potencialidades, dentro do
maior nível de consciência possível. Por isso, o êxtase atingido no ato
criativo, que leva ao regozijo, não é irracional e sim, supra-racional, pois
envolve o indivíduo totalmente: subconsciente e inconsciente atuando junto com
o consciente. Na visão de May (1982), o ato criativo é o encontro intenso do
sujeito com o seu mundo (entendendo como mundo não apenas a realidade
subjetiva, mas também objetiva do indivíduo que cria, simultaneamente e em
inter-relação uma com a outra) e, por isso, a obra de arte reflete as condições
psicológicas e espirituais do seu criador e de sua época histórica. Assim, May
(1982, p. 53) explica que a criatividade “é um encontro com o mundo a um nível
que elimina definitivamente a separação entre objeto e sujeito” e é
condicionada pela situação histórica.
No que diz respeito à condição histórica do processo
criativo, a artista plástica Fayga Ostrower (2014) também defende que a
natureza criativa do homem advém de um contexto cultural no qual o indivíduo se
desenvolve. É na sua realidade social e a partir das valorações culturais dela
advinda que os valores de vida do indivíduo se moldam. Por isso, ao criar, ele
realiza suas potencialidades únicas, mas, ao mesmo tempo, reflete a sua
cultura. Além disso, o processo criativo leva a um conhecimento profundo do nosso
ser. Para Ostrower (2014, p. 142), “criar é tanto estruturar quanto
comunicar-se, é integrar significados e é transmiti-los”. Logo, pode-se dizer
que o ato criativo é um ato de comunicação.
Dentro desse aspecto comunicativo da manifestação artística,
Selma Ciornai (2004) argumenta que a arte em psicoterapia facilita a
comunicação entre cliente e terapeuta, porque atua como objeto intermediário
entre eles, por exemplo, ao fazerem uma atividade juntos. Além disso, as
linguagens expressivas exprimem melhor
sensações, sentimentos, visões através de imagens, cores, sons, movimentos, já
que “o mundo subjetivo nem sempre se conforma às regras de linearidade causal,
temporal, lógica e espacial que a estrutura léxica e sintática da linguagem
verbal nos impõe” (CIORNAI, 2004, p. 71). Assim, na arte, o indivíduo se sente
mais à vontade para se expressar, para ousar, para criar e vivenciar o novo,
para experienciar aquilo que normalmente não se permitiria, criando uma
“realidade da arte”, através da qual o indivíduo poderá encontrar em si mesmo
recursos pessoais importantes e transformadores para sua vida pessoal.
Para Silva (2004), cabe ao psicoterapeuta se interessar por
tudo o que se relaciona com o ser humano. Emoções como alegria, tristeza, medo
são características que constituem não apenas a condição humana como também o
material de trabalho da psicoterapia. E, segundo a autora, tais emoções e
outras tantas são suscitadas pela obra de arte. Além disso, ela defende que o
contato com a arte possibilita um novo olhar do indivíduo sobre si mesmo e
sobre o seu cotidiano, o que pode conduzir a novos processos mentais.
Essa questão dos processos mentais é parte fundamental do
trabalho de Vygotsky, que entende que a arte, como instrumento cultural, leva
ao desenvolvimento e formação de processos mentais superiores. Para chegar à
síntese psicológica e estabelecer uma correlação entre psicologia e arte,
Vygotsky desenvolve um método de análise da estrutura da obra de arte. Então,
segundo Barroco e Superti (2014), passa a estudar a psicologia da arte, a qual
visa descrever as funções psicológicas ativadas pela estrutura da obra de arte,
analisando, assim, o funcionamento da resposta estética no psiquismo do
indivíduo e as transformações nele provocas. De outro modo, segundo Schühli
(2011, p. 141, 136), a psicologia da arte de Vygotsky busca evidenciar a ação
da arte sobre os sentimentos, uma vez que ela faz parte do campo do sentimento
social. Além disso, a psicologia da arte visa estudar a emoção artística e sua
peculiaridade em relação às demais emoções e explicar os efeitos da arte na
sociedade. Dentro desta visão, o objeto artístico é considerado uma totalidade
organizada e leva a uma atividade que relaciona sujeito e objeto, pela reação
estética que causa no espectador. Nessa abordagem, a estrutura da obra de arte
compõe-se de uma síntese entre forma e conteúdo. Barroco e Superti (2014)
explicam que o conteúdo é o material apreendido da realidade de determinada
sociedade e suas relações sociais. Esse conteúdo é, então, submetido a uma
forma artística. Mas essa composição resulta numa unidade contraditória entre a
forma e o conteúdo, condição sine qua non da obra de arte. Em tal
contradição, expressam-se emoções antagônicas, e é na própria obra, pela
catarse, que se opera a superação da contradição. Segundo as autoras, “a
catarse, nesse sentido, diz respeito à transformação das emoções suscitadas em
um novo sentimento” (BARROCO E SUPERTI, 2014, p. 29). Mas Reis e Zanella (2014)
ressaltam que o termo catarse não é equivalente ao da psicanálise, pois não
representa uma simples descarga emocional. Na teoria vygotskyana, é preciso a
superação das emoções suscitadas pela obra de arte, num ato (re)criador do
objeto observado.
No entanto, para Barroco e Superti (2014), não são apenas as
emoções que são transformadas, e sim, todo o funcionamento psicológico, se
tomarmos o psiquismo como unidade. Assim, a arte eleva as emoções ao nível
consciente, social e universal. Além disso, segundo Reis e Zanella (2014), uma
vez que se encontra no campo do sentimento, ela também se relaciona à
subjetividade, já que emoções e sentimentos constituem nossos modos
particulares de ser e, na arte, encontram sua expressão. Em suas diferentes
modalidades, a arte representa um modo de objetivação estética do fruidor ou
artista. “Trata-se de objetivação da subjetividade que, no movimento de se
apresentar ao outro e com este dialogar, é transformada novamente, sendo,
portanto a subjetividade social e historicamente construída” (REIS E ZANELLA,
2014, p. 101). Em suma, para Vygotsky, conforme explicam Barroco e Superti
(2014) a arte objetiva os sentimentos humanos e, com isso, permite aos
indivíduos socializar seu sentimento, ao mesmo tempo que o torna pessoal e
parte do seu psiquismo, num movimento de interrelação constante. Portanto,
trata-se de desenvolver, a partir do sentimento social, o psiquismo individual,
que é, simultaneamente, pessoal e social. Em Schühli (2011, p. 37 142, 143), vemos que a lei genética do desenvolvimento humano
de Vygotsky afirma que “qualquer processo psicológico começa em-si, torna-se
para-outros e depois para-si”. Para o autor, a teoria da arte de Vygotsky
aborda os sentimentos, mas não é subjetivista, e afirma o aspecto social dos
sentimentos individuais, mas não é mecanicista.
Ainda segundo o autor supracitado, esse processo de
interiorização dos sentimentos sociais objetivados na obra de arte se dá pela
catarse/reação estética, que modifica os sentimentos do indivíduo suscitados
pela obra de arte. Nesse sentido, Vygotsky elabora uma “segunda síntese
criativa”, que explica a atividade exercida pelo expectador quando recebe de
fora impressões causadas pela obra de arte, cujo objetivo não é o puro e
simples prazer. “A construção da síntese criativa exige do expectador uma atividade
necessária à vivência estética”. Assim, o expectador é passivo mas sobretudo, e
simultaneamente, ativo diante da obra de arte (SCHÜHLI, 2011, p. 136). No
entendimento de Vygotsky, perceber o objeto artístico exige um trabalho árduo,
realizado pela catarse.
Schühli (2011) explica que as emoções provocadas pela obra no
espectador e transformadas pela catarse são aquelas já “desgastadas”, que, uma
vez reavivadas pela vivência artística, modificam-se qualitativamente pelo
processo catártico. Deste modo, a obra de arte reaviva emoções e paixões que,
sem ela, teriam permanecido desconhecidas e inativas. Por isso, segundo aquele
autor, Vygotsky entendia que a passividade do espectador da obra de arte só
atua no momento inicial, para que ele possa suspender o seu julgamento e poder
vivenciar a fantasia do artista. Assim mesmo, defende que é uma passividade
aparente, pois o indivíduo vive internamente um trabalho árduo e conflitivo de
“recriação do reflexo artístico da realidade” (SCHÜHLI, 2011, p. 145). Portanto,
o prazer não advém naturalmente da vivência artística, mas apenas depois que o
indivíduo ativamente a transforma. Então, primeiro, a catarse atua na conversão
da energia negativa em positiva. Por isso, segundo Vygotsky, o ser humano
procura, na arte, sentimentos que evita na vida, para que sejam convertidos. De
acordo com Schühli (2011), a catarse resultante da vivência da obra de arte age
na resolução das paixões do espírito, tal como na tragédia. Isso porque a obra
de arte causa uma reação estética resultante do conflito de emoções causado
pela forma e o conteúdo. Como consequência, há uma descarga de sentimentos, a
qual transforma as emoções desprazerosas em prazerosas.
No próximo texto, irei retomar a questão da catarse e da arte
para Vygotsky e farei articulações entre arte, psicologia e arteterapia.
#arte
#psicologia
#arteterapia
#educacao
#vygotsky
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BARROCO, S.M.S.; SUPERTI, T. Vigotski e
o estudo da psicologia da arte: contribuições para o desenvolvimento humano. Psicologia & Sociedade. Paraná, 26
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(org.). Percursos em arteterapia:
arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia.
São Paulo: Summus Editorial, 2004. Disponível em: <https://www.ubaatbrasil.com/> Acesso
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MAY, R. A coragem de criar. 4ª ed. Rio de
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30ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
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Arte e vida, vida e (em) arte: entrelaçamentos a partir de Vygostky e Bakhtin. Psicologia Argumento, Paraná, 2014, v.
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SCHÜHLI, V. A dimensão formativa da arte no
processo de constituição da individualidade para-si: a catarse como categoria
psicológica mediadora segundo Vigotski e Lukács.2011. 195f. Dissertação apresentada ao Curso de Pós- Graduação em
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SILVA,
S.M. Algumas reflexões sobre a arte e a formação do psicólogo. Revista Psicologia Ciência e Profissão, 2004,
24 (4) – p. 101. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932004000400012. Acesso em: 23 abril 2019.
VIVIAN,
A.; TRINDADE, J. Psicologia e arte: um paradigma estético de Intervenção
Psicoterápica. Aletheia, Brasília,
2003, núm. 17-18, enero-diciembre, p. 119. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/1150/115013455011.pdf. Acesso em: 02 junho 2019.
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Isabel Cristina Pires
A autora é arteterapeuta e psicóloga. Tem formação e experiência em Antiginástica ® Thèrese Bertherat, é jornalista e professora de inglês e francês. Realiza atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.
bel.antigin@gmail.com
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