IMPRESSÕES DA ESPANHA VI: ARTE COMO TERAPIA OU ARTE EM TERAPIA
A ARTETERAPIA E A ARTE # IMPRESSÕES DA ESPANHA VI
ARTE COMO TERAPIA OU ARTE EM TERAPIA
A
Espanha está passando por um momento de quantificação
e mensuração das abordagens terapêuticas. Por tal razão, a psicologia também
está experimentando uma reforma na qual apenas as abordagens de neurociências e
cognitivas comportamentais são aceitas pelo Conselho. Ou seja, se você for
formado em psicologia, para atuar na área clínica é necessário ou fazer
residência ou um mestrado cuja base teórica é TCC, caso contrário, no seu
cartão de visita não poderá constar “psicólogo” e sim, “acompanhamento emocional”
ou qualquer titulação que sua criatividade julgue a mais próxima de um trabalho
terapêutico.
Como consequência deste contexto, as terapias artísticas e criativas foram rapidamente atingidas por esta nova onda científica e consideradas como “terapias complementares”. Ainda reverberada por esse conservadorismo acadêmico, a arteterapia corre cada vez mais o risco de ser desvalorizada diante de outras técnicas. Pensando na resolução desta incógnita, além dos estudos de arteterapia e neurociências estarem cada vez mais aliados, aqui na Espanha é muito comentada a diferença entre “arte como terapia” e “arte em terapia”. Vale ressaltar que ambas as metodologias são eficazes e possuem seu valor, além de que este debate nos permite a reflexão do “o que é, o que faz, como atua e aonde está” o arteterapeuta.
A “arte como terapia” é uma das metodologias utilizadas por Edith Kramer (1916-2014, Áustria), a “mãe da arteterapia”. Aqui, a premissa é de que as expressões artísticas, por si só, já possuem um efeito terapêutico e que o próprio processo de criação instiga a pessoa a querer realizar mais obras. Ao olhar para o processo da criação da arte como uma terapia que se autorregula, o terapeuta entra como o facilitador e apoio do trabalho criativo de seu cliente.
Por esta razão, para trabalhar desde essa perspectiva é fundamental que o profissional seja um conhecedor dos materiais e de técnicas artísticas. Apesar da grande maioria dos arteterapeutas que se utilizam desta técnica terem vindo do mundo das artes, isso não exclui que pessoas oriundas de outras áreas também possam se utilizar desta metodologia, desde que também tenham experimentado uma relação com os materiais e vivido seu próprio processo criativo.
Tal conhecimento dos materiais justamente é necessário, pois muitas vezes os terapeutas acabam atuando como uma “terceira mão”; um auxílio que evita frustrações desnecessárias e que ajuda nos quesitos técnicos surgidos durante o processo criativo do cliente.
Utilizo-me como exemplo deste conceito da terceira mão: Uma vez um usuário estava extremamente frustrado por não conseguir realizar o desenho de uma cadeira. Primeiramente, tentei apaziguar a situação dizendo que o importante era que se expressasse e que não precisava ser uma técnica tão realista e etc. Só que ao dizer isso, além de gerar uma grande frustração nele, na obra e no seu processo, também desvalorizei seu trabalho e seu sentimento. Tentamos lidar com essa frustração em outro âmbito, porém o cliente ainda queria fazer a cadeira. Diante deste impasse, me vi no dever de aprender a desenhar uma cadeira para que, juntos, conseguíssemos plasmar o que ele realmente desejava. Conseguimos por fim criar a cadeira que tanto era necessário e a partir de aí houve um desbloqueio em relação as suas obras.
Outro exemplo aconteceu em um dos ateliês livres, quando um usuário sentou ao meu lado e após muito tempo encarando o papel branco, começou a desenhar. Depois realizar um círculo, observou seu trabalho e, descontente, deixou a folha de lado e pegou outra. Desenhou outra vez a figura e, completamente frustrado, jogou sua produção fora e disse que não queria fazer mais nada. Perguntei-lhe o que lhe incomodava e me respondeu que não conseguia desenhar um círculo. Desta vez, já consciente da importância da “terceira mão”, pude abordar essa frustração de uma forma muito diferente. Perguntei se queria que lhe ensinasse e ao receber uma afirmativa, lhe expliquei que nós desenhávamos usando todo o corpo e, de pé, fizemos vários e vários movimentos circulares. Após duas tentativas, se sentiu mais confortável com seu próprio trabalho, deixou os dois rascunhos de lado e começou a desenhar novamente, dessa vez, muito mais tranquilo. A partir daí não houve mais bloqueios com o material, nem com o papel em branco.
Em ambas as histórias, foram necessárias uma intervenção com conhecimentos técnicos para que por fim pudesse haver uma “liberação” de processos que estavam a ponto de chegar à desistência das expressões artísticas. Admito que no primeiro caso, havia um desconhecimento técnico de minha parte que fazia parecer mais lógico seguir outro caminho para lidar com dita frustração. Atualmente entendo que não preciso saber todas as técnicas artísticas perfeitamente, porém, compreendo a necessidade de estar em contato e de explorar os materiais, não apenas para meu uso pessoal, mas também para minha formação como arteterapeuta. Na “arte como terapia” existe esse grande respeito ao criador e a obra, sendo essa relação a mais importante e a mais terapêutica.
Dentro desta dinâmica, não é levado em consideração o efeito que possa produzir a presença do arteterapeuta na sessão, muito menos o que a obra do cliente suscita no terapeuta. As relações existentes na triangulação “paciente – cliente – obra” também não tem tanto valor, pois o que realmente é importante é o processo do cliente com sua produção, possibilitando que o papel do arteterapeuta seja o de uma intervenção pontual.
Este limbo em relação às intervenções do arteterapeuta e a crença de que a produção da arte gera em si um processo terapêutico autorregulaor, coloca a “arte como terapia” em um lugar confuso no qual muitas Instituições confundem a arteterapia como uma terapia ocupacional. Como diferenciar a arteterapia e o arteterapeuta da terapia ocupacional e do terapeuta ocupacional? E como atuaria o arteterapeuta? Nos Estados Unidos, por exemplo, esse método não é aceito como arteterapia e é conhecido como “art and healing” (arte e cura).
Enquanto isso, na “arte em terapia”, a arte é um vértice que ativa e une o terapeuta e o usuário. A partir desta aproximação, o objeto artístico é usado para ilustrar conteúdos verbais ou facilitar e ampliar a expressão. Relembrando da introdução em que comento que a arteterapia é uma terapia complementar, a “arte em terapia” se utiliza da arte como uma extensão psicoterapêutica, já que esta metodologia enquadra técnicas utilizadas por psicólogos.
Na “arte em terapia”, assume-se a existência de enquadres terapêuticos, de setting e leva-se em consideração a relação do cliente com o terapeuta, enquanto a parte estética não é considerada. A arte e o processo criativo são utilizados pontualmente como uma expansão de alguma temática levantada na sessão. Da mesma forma que a parte estética não tem tanta importância para o terapeuta, também não se leva em consideração como foi processo criativo, nem o resultado final da obra. A importância está no que pode ser “extraído” da atividade.
Na “arte em terapia” é obrigatória a formação em algum tipo de psicoterapia, seja ela humanista, gestaltica[1], psicoanalista, junguiana ou outra. Já o conhecimento dos materiais artísticos é apenas um preferencial. Exemplificando, a “arte em terapia” seria como se um terapeuta acrescentasse em suas sessões elementos artísticos que serviriam como um aprofundamento das questões vistas e do vínculo terapêutico. Na Espanha, é muito comum encontrar essa metodologia sendo utilizados por psicanalistas, junguianos, terapeutas humanistas e gestálticos que incentivam o uso da arte para a expressão das emoções. De fato, a arteterapia mais conhecida aqui a gestaltica e humanista.
Pelo o que observo, neste país não é possível separar a arte da arteterapia. Não existe arteterapia sem arte, muito menos arteterapeutas que não se exploram artisticamente. Por isso, a grande diferença no papel do arteterapeuta entre essas duas metodologias é que, na “arte como terapia”, a crença está no poder transformador da arte e o terapeuta intervém de forma concisa e pontual, enquanto na “arte em terapia”, a arte atua como um instrumento de ampliação e construção de vinculo entre o usuário e o terapeuta.
Apesar das diferenças, com o tempo e experiência, alguns profissionais são capazes de integrar ambos os formatos e criar sua própria fórmula. O importante é escolher uma como base e a partir daí, descobrir seu caminho. O que em todas as partes se têm em mente é que, se ferramentas artísticas são utilizadas como – ou durante – um processo terapêutico é porque, de alguma maneira, o terapeuta se sentiu tocado por alguma experiência artística. Independente se está mais para “arte como terapia” ou “arte em terapia”, todos estão de acordo com que existe uma função exploradora e reguladora na arte que permite o ser humano se enxergar através dela. Eu ainda me considero na minha trajetória de descoberta, transitando entre as metodologias e criando meu próprio caminho dentro das terapias artísticas e criativas.
marcela.campb@hotmail.com
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Muito bom o texto. Uso a arte sempre que percebo a nescessidade do paciente se expressar de uma forma que nem ele sabe como.
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