SOBRE O CUBISMO E A ARTETERAPIA

por Flávia Hargreaves

[texto publicado em  07/09/2015, atualizado em 16/07/2018 e re-publicado em 30/06/2021]


Les Demoiselles d'Avignon (1907) de Pablo Picasso (1881-1973). Fonte wikiart.org


SOBRE O CUBISMO


O cubismo foi um movimento da Arte Moderna, um dos ismos da vanguarda europeia na primeira metade do seculo XX. Teve seu inicio marcado pela obra Les Demoiselles d'Avignon de Pablo Picasso (1881-1973), obra que embora não seja propriamente cubista ou, pelo menos, não o seu melhor exemplo, “suscitou os problemas pictóricos que o cubismo iria resolver.” (GOLDING, 1991).

Trata-se de um movimento formalista, interessado nas questões relativas à pintura e tem como uma de suas principais características a exploração dos múltiplos pontos de vista apresentados em um único plano. Teve como pioneiros Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), fortemente influenciados pelas pesquisas formais de Cézanne (1839-1906).


Violino e Uvas ( 1912). Pablo Picasso (1881-1973). Cubismo Analítico.


CUBISMO ANALÍTICO E SINTÉTICO

Ao estudarmos o Cubismo nos deparamos com dois procedimentos: o Cubismo Analitico e o  Cubismo Sintético. Segundo Juan Gris (1887-1927), o modo analítico seria partir de uma ideia preconcebida do tema e de uma imagem naturalista e analisá-la de acordo com os princípios da visão simultânea. Esse procedimento, que embora pareça caminhar para a abstração, mantêm-se na representação figurativa, contendo “chaves”, “pistas” para que o observador possa recompor a figura mentalmente. Se, por um lado o modo analítico tende a abstração nos afastando do objeto, por outro nos aproxima ao ampliar nossa consciência e conhecimento do mesmo.


Violino e cachimbo (1913). Georges Braque (1881-1973). Cubismo Sintético. 


O procedimento sintético, seria o inverso. Parte do abstrato para a representação, para a figura. Parte do que eu ainda não sei. Busca nas formas abstratas uma figura/objeto/tema. No cubismo este processo teve forte influência das colagens, os chamados papiers collés.  Segundo Juan Gris (apud. GOLDING, 1991), “quando as formas abstratas se tornam objetos, elas são de certo modo, particularizadas e [...] ficam mais poderosas [...].”


FRAGMENTAÇÃO OU NOVAS PERSPECTIVAS


“[...] Durante 500 anos, desde o início da Renascença italiana, os artistas tinham sido guiados pelos princípios da perspectiva matemática e científica, de acordo com os quais o artista via seu modelo ou objeto de um único ponto de vista estacionário. Agora, é como se Picasso tivesse andado 180 graus em redor de seu modelo e tivesse sintetizado suas sucessivas impressões numa única imagem. O rompimento com a perspectiva tradicional resultaria, nos anos seguintes, no que os críticos da época chamaram visão ‘simultânea’ – a fusão de várias vistas de uma figura ou objeto numa única imagem.” (GOLDING, 1991, p. 40).

Frequentemente ouvimos o termo “fragmentação” quando o Cubismo entra em cena. Embora consiga compreender essa ideia ao observar uma figura cubista, que aparece em partes, não consigo evitar certo incômodo com o uso da palavra. Diante de uma obra cubista o que me vêm à mente é a ideia de um OLHO NOVO, lapidado cuidadosamente como um diamante. Esse OLHO NOVO traz a qualidade de ser multifacetado proporcionando uma visão múltipla e simultânea do objeto ou tema. Esse entendimento torna impossível para mim ver uma obra cubista como algo fragmentado, quebrado ou dividido, mas sim como algo inteiro. O objeto na perspectiva desse OLHO NOVO torna-se inteiro justamente por contemplar toda a multiplicidade contida no objeto.

A contribuição trazida pela arte cubista para a Arteterapia seria justamente o exercício de exploração de novos pontos de vista, de novas perspectivas, de novas visões diante de um tema conhecido. É preciso destacar a questão do tema conhecido porque o gênero mais comum no cubismo é a natureza-morta. Esse exercício de exploração do objeto, ou tema, ao modo cubista, possibilita entrar em contato com vários aspectos, antes ocultos pela manutenção de um ponto de vista estacionário, mas agora revelados e organizados em uma única imagem a partir de um giro de 180 graus. Essa prática nos auxilia a ter uma visão global do tema e suas múltiplas verdades, colaborando para o aumento de consciência e flexibilidade no modo de ser e agir do individuo.

CONCLUINDO

Seguindo a proposta do Cubismo Analítico, diante de um objeto cotidiano, de algo que conheço, de algo que vivo diariamente, iremos “andar ao redor” do objeto. Ao fazermos isso, entramos em contato com as faces inexploradas, com aquilo que não tínhamos  percebido e que agora com esse OLHO NOVO, com esse PONTO DE VISTA QUE GIROU podemos ver.  Na Arteterapia, nosso cliente pode estar diante de um tema conhecido, repetido, mas que mantêm muitas faces ocultas, inconscientes, que podem ser reveladas quando observadas de novos ângulos. Esse seria, a meu ver, o procedimento do cubismo analítico da arte transposto para o setting arteterapêutico.


Garrafas e Faca (1911). Juan Gris (1887-1927). Cubismo Analítico. 


Com relação ao Cubismo Sintético e a Arteterapia, muitas vezes nos deparamos com o procedimento no qual a partir de manchas, de formas abstratas, de recortes, etc., buscamos uma figura ou um símbolo. O que a principio era indefinido, desconhecido, aos poucos se revela em uma forma, em uma imagem figurativa. Mas também podemos dar nome a uma mancha e, assim a particularizamos e a tornamos poderosa.

Para finalizar esta reflexão, proponho aos arteterapeutas o estudo da Historia da Arte, que considero fundamental para o entendimento do Homem e seu tempo. Ao longo de milênios de grandes construções humanas, a Arte revelou em forma a experiência humana coletiva e individual. Caberá a cada arteterapeuta descobrir o seu modo de trazer esse vasto conhecimento para a sua prática profissional de acordo com a sua abordagem teórica.

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Referências:

GOLDING, John. Cubismo.  In : STANGOS, Nikos (org.). Conceitos de Arte Moderna. 2 ed. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1991.

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Flávia Hargreaves é coordenadora do projeto artes.LOCUS - artes e desenvolvimento humano, Arteterapeuta AARJ 402, Professora de Ateliê de Artes e História da Arte aplicada à Arteterapia, Professora dos cursos de Formação em Arteterapia Ligia Diniz, Leiza Pereira e Baalaka. Graduada em Comunicação Visual e Licenciatura em Artes Plásticas (EBA-UFRJ), Formação em Arteterapia Ligia Diniz. Foi colaboradora da Casa das Palmeiras (2014-2018) e Casa Verde (2009). Desde 2018 coordena, ao lado de Maria Teresa Rocha, o Grupo Pintando Arcanos.

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Comentários

  1. Texto maravilhoso! Claro, simples e com muito conteúdo. Parabéns, Flávia! Adoro os textos do blog! Bjs😍😚😚

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  2. Enviado por Margareth Teófilo (via whatsapp em 30/06/21) - "Como sinto saudade de suas aulas de 🖼 Arte, @Fernando Hargreaves , você nos leva com plena presença, ao passado, sua fala e conhecimento apresenta imagens pelas quais passeamos e descobrimos a forte 💪 importância da arte em nosso processo de individuação . Os diferentes pontos de vista, , (também tenho o mesmo que vc , vejo no cubismo a arte multifacetada e não fragmentada) Assim como Jung, em sua grande sabedoria, abre-se a novas observações, novos olhares , pontos de vistas, divergentes , no livro Energia psíquica, Jung deixa sua mensagem, de que quando escolhemos ter novos pontos de vista abrimos à infinitas possibilidades. Na Arteterapia respeitar o ponto de vista do outro , sem julgamentos faz com que sejamos melhores pessoas e profissionais .
    Quantos profissionais recusam atendimento e relacionamento por ter seus pontos de vista rejeitados ?
    Muito obrigada Flávia por alimentar nossa fome de Arte."

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Flavia Hargreaves30/06/2021, 15:25

    Enviado por Marcia Lazarus (via whatsapp em 30/06/21) - Belo texto e concordo com vc qdo atenta para uma nova forma de "olhar ". Lembrei que é como resolvermos reler uma mesma poesia ou conto, surgem novos sentidos.
    Importante o despertar dos sentidos. Sempre gostei da colagem , de formas abstratas e ter oportunidade de conhecer mais nas aulas que conjugam a Arteterapia e a História da Arte tem sido um gift das Deusas.
    A ideia de desconstruir é reconstruir é fascinante e repleta de ressignificações ���� quero mergulhar cada vez mais na História das Artes e, assim, sair fora da caixinha.
    Parabéns seus textos tb contribuem para a nossa jornada ������������

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