ACORDANDO O CORPO, INTERLIGANDO A MENTE, PREENCHENDO A ALMA

 por  Cristiane Gerolis

[REPOST - publicado originalmente em 15 de agosto de 2018]


Neste texto Cristiane Gerolis, psicóloga e arteterapeuta, compartilha conosco sua experiência como coordenadora e facilitadora do grupo arteterapêutico "CORPOREIDADE”, voltado para mulheres entre quarenta de sessenta anos de idade, no qual articulou práticas de consciência corporal e expressão plástica, ao longo de três meses em 2017.

Boa leitura,

Flavia Hargreaves

Coordenadora do projeto artes.LOCUS


ACORDANDO O CORPO, INTERLIGANDO A MENTE, 
PREENCHENDO A ALMA.

por  Cristiane Gerolis


Grupo Arteterapêutico Corporeidade, Rio de Janeiro, 2017. Fotografia de Cristiane Gerolis.


Há muito tempo trabalho como arteterapeuta e recentemente me deparei com a modalidade expressiva "consciência corporal". Através dos atendimentos comecei a perceber como esse corpo era visto de forma tão dissociada e que a linguagem corporal não condizia com a linguagem verbal. Segundo Leloup, (2015) “o corpo não mente”.

E como que por sincronicidade tudo a minha volta me levava ao movimento, ao despertar dessa corporeidade. Minhas produções, os meus clientes e os meus filhos. Tudo se encaminhava para um despertar dessa corporeidade para a vida.

Este corpo, antes encoberto e reprimido pela sociedade, como um mero suporte das insígnias, muda de lugar na atualidade, saindo do lugar de suporte de valor e passando a ser o próprio valor. A visão pós-moderna traz uma preocupação cada vez maior com o culto ao corpo que agora é o protagonista da cena e pode tudo. Porém, permanece na oralidade, pois as relações tornaram-se cada vez mais virtuais, não simbolizando e não chegando à sua maturidade.

A experiência me ensinou que não é apenas descarregando energia, correndo, andando malhando, que se dissolve a pressão interior. Os sentimentos precisam achar sua expressão e o impulso inconsciente, que faz aflorar conteúdos à consciência, precisa ser realizado. O encontro com o corpo no movimento criativo ou meditativo pode trazer além da renovação das forças, conteúdos à consciência, e um fluir da energia vital.

 

O QUE É CORPOREIDADE?


Grupo Arteterapêutico Corporeidade, Rio de Janeiro, 2017. Fotografia de Cristiane Gerolis.

 

É a capacidade de o Indivíduo sentir e utilizar o corpo como ferramenta de manifestação e interação com o mundo. A maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o corpo como instrumento relacional.

É necessário saber entender o que o corpo quer expressar, o que está querendo comunicar, mensagens oníricas, inconscientes que vão desvelando-se sendo descobertas e percebidas. Desenvolver essa percepção nos leva a compreensão da realidade psíquica. A psique ficando desprovida da capacidade criativa favorece a doença, manifestando-se no corpo físico. “O corpo pode ser um canal para expressar as necessidades da psique. Os sintomas corporais muitas vezes nos remetem às memórias pessoais, por vezes, também as coletivas, aos arquétipos e aos instintos que desconhecemos”. (Arcuri, 2004) Não temos um corpo e sim somos um corpo.

 

CORPOREIDADE/ ENERGIA PSÍQUICA/ FLOW/ CRIATIVIDADE


Grupo Arteterapêutico Corporeidade, Rio de Janeiro, 2017. Fotografia de Cristiane Gerolis.


Quando comecei a aprofundar nesse estudo, vi através de Irene Gaete Arcuri (2004), que o corpo guarda uma memória corporal, algo que fica registrado, marcado e à medida que nos conhecemos melhor e tomamos consciência corporal de nós mesmos, eliminamos as couraças e deixamos o corpo seguir seu fluxo de energia livremente. Este processo faz parte do autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, onde se pratica a busca de si mesmo, valorizando-se e cuidando do corpo, reintegrando o eu, o próprio ser a totalidade corpo, mente, energia e espírito.

No trabalho arteterapêutico, para obter um bom resultado, necessita-se estar atento aos materiais expressivos que podem ser utilizados para que favoreçam transformações. Verifica-se que movimentar-se e expressar-se, sempre que estamos saudáveis, faz com que a energia flua de forma desimpedida. Porém, o que se percebe por vezes é o refluxo dessa energia psíquica, pois o corpo encontra-se em tensões, repressões, encapsulamentos, causando sintomas desagradáveis como desânimo, fadiga, apatia entre outros. "O processo criativo ativado de maneira adequada, restaura, resgata, recupera, reorganiza, redireciona e libera o fluxo de energia psíquica em prol do bem-estar e da expressividade de cada indivíduo.” (PHILIPPPINI, 2011).

Jung recorreu ao conceito de energia da física para permitir uma definição menos restrita, abandonando o termo “libido”, dado por Freud que estaria associada à vontade, prazer e desejo, instinto sexual. Passando então a designar energia psíquica ou energia vital. E os dois movimentos básicos pelos quais a energia psíquica circula, corresponde à regressão e progressão.


RELATO DE EXPERIÊNCIA


Grupo Arteterapêutico Corporeidade, Rio de Janeiro, 2017. Fotografia de Cristiane Gerolis.


Através de um breve relato, irei passar o trabalho que foi desenvolvido com 5 mulheres, entre 48 e 60 anos de idade. Em encontros quinzenais com duração de três horas o trabalho foi desenvolvido. A proposta era trabalhar o movimento como meio de expressão, levando a um desbloqueio desse corpo para que se acesse melhor esse canal criativo e de expansão.

O grupo começava a jornada de descobrir o próprio corpo, através de um “acordar desse corpo” com movimentos, ações, através de uma forma bem lúdica e criativa. Sensibilizando esse corpo, aos poucos lentamente fui introduzindo um “despertar” com muita delicadeza e um olhar e ouvido atentos à todas as manifestações. Tocar o próprio corpo e  descobrir os limites  e potenciais. Se reconhecer e perceber se a linguagem corporal condiz com a linguagem verbal. O grupo tornava-se cada vez mais unido e a escuta do outro e acolhida se dava não somente pelo ouvido, mas também através de todo corpo.

Foram introduzidas músicas, previamente selecionadas para atingir as finalidades do dia, e era solicitado que se expressassem, as danças espontâneas surgiam, memórias afetivas eram despertadas, escritas criativas, despertavam para conteúdos latentes. Parangolés traziam outra percepção ao corpo.  Se olhar no espelho e perceber o outro no espelho, onde eu termino e onde começa o outro. Relaxamentos e imaginação ativa sendo explorados, todos os sentidos sendo sensibilizados. Tudo bem conectado e elaborado para encaminhar cada vez mais a essa conexão ao religar desse corpo, com suas funções essenciais. Cada participante teve que elaborar uma performance, com escolha de música, e vestimenta e apresentar as colegas, onde a entrega foi ímpar e a troca no grupo de essencial importância no despertar de cada uma. Confiar no outro, sendo guiado pelo espaço, ativando seus outros sentidos, a forma de comunicação neste momento passava cada vez mais a ser única. Sua conexão com o corpo aumentava e curtiam, de forma lúdica e leve, trazendo essas mulheres cada vez mais  a sua conexão com o seu próprio eu, self.

Muito lindo, perceber esse desabrochar, a criação de um próprio corpo de grupo. Materializado em uma imagem de mulher, com pura conexão com a natureza e seus sentidos. As imagens “falam” e trazem uma nutrição de conteúdo para cada uma delas. A entrega e confiança delas foram essenciais para esse mergulho em si mesmo. E para finalizar cada participante recebeu um manto vermelho, que seria utilizado quando precisassem se vestir daqueles momentos de conexão e força, onde a construção começava no grupo, e este seria completado durante a caminhada de cada uma.


CONCLUSÃO

Grupo Arteterapêutico Corporeidade, Rio de Janeiro, 2017. Fotografia de Cristiane Gerolis.

 

Diante do trabalho que foi exposto, verificou-se que à medida que o corpo desenvolvia a consciência corporal, aumentava a sensibilidade, a imaginação, a criatividade e a comunicação. A partir do desenvolvimento de um olhar consciente, mais atento à percepção desse corpo, foi facilitada a compreensão da própria realidade psíquica. O corpo tornou-se um instrumento importante na aquisição de uma visão unificadora sobre si mesmo, quando pode haver um diálogo do consciente com o inconsciente. A conscientização do movimento corporal facilitou a assimilação do nosso mundo interior, provocando mudanças significativas na vida dos participantes. Essa ampliação da consciência também colaborou para o fortalecimento do ego. Ao longo do processo o grupo trazia, cada vez mais, fluidez na sua energia psíquica, e o corpo ganhou espaço e propriedade, percebendo e descobrindo a importância da respiração, de se tocar e, principalmente, de se expressar.

 

REFERÊNCIAS

LELOUP, Jean Yves – O corpo e seus símbolos – 2015 – 23 edição – Editora Vozes.

ARCURI, Irene Gaete – Memória corporal, o simbolismo do corpo na trajetória da vida – 2004 – Editora Vetor.

PHILIPPINI, Angela – Grupos em Arteterapia – 2011 – Editora WAK.

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Sobre a autora:

Cristiane Gerolis é graduada em Psicologia, pós graduada em Psicologia Hospitalar e Arteterapia. Atua como Psicóloga/Arteterapeuta em consultório particular e na Clínica Pomar, realizando atendimentos individuais e em grupo. Ministra Workshop em Corporeidade, tendo como objetivo sensibilizar o corpo, eliminando couraças, conduzindo ao auto conhecimento e desenvolvimento pessoal dos participantes.

Acompanhe o trabalho de Cristiane Gerolis pelas redes sociais:

@crisgerolis_arteterapia

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