"Handbook of Art Therapy"– Leitura Comentada – Parte I
Se houve algo de positivo nesta quarentena, podemos dizer que foi o fato de finalmente ter conseguido retomar o ritmo de estudos acerca da Arteterapia com minha parceira de longa data, Maria Cristina de Resende. Iniciamos com a leitura e tradução [1] do livro Handbook of Art Therapy, de Cathy A. Malchioldi. Meu primeiro contato com esta e outras publicações norte-americanas sobre a Arteterapia, foi em maio de 2016 [2] através da generosidade da Dra. Tânia Maria Netto, que me presenteou com nada menos que todo o seu material de estudo sobre o tema. Este encontro resultou em um grupo de estudos sobre o livro Approaches to Art Therapy, de Judith Aron Rubin, em 2016.
Pois é ... quatro anos se passaram, muitos adiamentos, outras prioridades.
Voltando ao Handbook - ledo engano achar que se trata de um livro de bolso, são mais 400 páginas de conteúdo com poucas figurinhas - , trata-se de uma coletânea de artigos de 32 autores, dividido em 5 partes: Art and Science of Art Therapy; Clinical Approaches to Art Therapy; Clinical Applications with Children and Adolescents; Clinical Applications with Adults; e Clinical Applications with Groups, Families and Couples.
Confesso que eu e Maria Cristina tentamos começar pelo início, mas nosso interesse pulou para a Parte IV: Clinical Applications with Adults, capítulo 21: Art Therapy with Adults with Severe Mental Illness, de Susan Spaniol. E a este capítulo em particular vamos dedicar as nossas próximas 3 publicações deste blog: “Arteterapia: Autenticidade, Criatividade e Reabilitação”, “Arteterapia: fases do tratamento pós-crise”, e, por fim, “O papel do ateliê na Arteterapia – recuperando a identidade e a esperança”.
Boa leitura,
Flávia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS
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[1] Traduzido com o auxílio do tradutor - www.DeepL.com/Translator,2020.
[2] Este encontro foi registrado no texto: < http://flaviahargreaves.blogspot.com/2016/08/arteterapia-em-busca-de-uma-identidade_29.html >
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Handbook of Art Therapy – Leitura Comentada – Parte I
ARTETERAPIA: AUTENTICIDADE, CRIATIVIDADE
E REABILITAÇÃO.
por Flávia Hargreaves e Maria Cristina de Resende
Revisão: Erika Kohler
“A cada ano as vidas de cerca de 5 milhões de
americanos e aqueles próximos a eles serão afetadas por uma severa e
persistente doença mental que interfere com a habilidade de pensar, sentir,
trabalhar e sustentar relacionamentos significativos. Essa frequente condição
incapacitante inclui esquizofrenia, uma desordem mental que pode causar
delírios e alucinações, e os mais severos casos de distúrbios depressivos, que
inclui depressão maior e transtorno bipolar [...].” (SPANIOL).
A depressão e o
transtorno bipolar são patologias que estão dentro do campo dos transtornos de
humor, já a esquizofrenia pertence a classificação dos transtornos psicóticos.
Os três quadros possuem graus de severidade e o diagnóstico depende da
avaliação clínica que leva em conta a gravidade dos sintomas, a duração e a
frequência com que eles aparecem ao longo da vida do indivíduo.
No Brasil, os
dados epidemiológicos sobre depressão trazem o número de 15,5% da população com
depressão, e segundo a OMS, na rede básica de atenção do SUS a prevalência de
depressão é de 10,4%, isoladamente ou associada a um transtorno físico [3].
A depressão e
os demais transtornos de humor, vem sendo um dos quadros da saúde mental que
mais incapacitam indivíduos no Brasil e tem grande impacto na rede de saúde
pública trazendo muita preocupação para os profissionais de saúde mental uma
vez que, quando não tratados e acompanhados, podem levar o indivíduo ao
suicídio [4].
“[...] Arteterapia com pessoas com doenças mentais
severas pode ser um trabalho profundamente recompensador. Pode ser intensamente
gratificante construir conexões interpessoais com quem tem se sentido completamente
sozinho, prover esperança a essas pessoas que se sentem desesperançosas e
guiá-las no uso de processos e ferramentas artísticas desenvolvendo uma noção
de significado e propósito.” (SPANIOL)
Segundo a
autora, há 3 condições necessárias para que os terapeutas se tornem mais
confiantes e competentes no trabalho com pacientes com diagnóstico de doença
mental grave: 1) Autenticidade; 2) Criatividade; 3) Reabilitação.
1. Autenticidade: o entendimento que o relacionamento entre paciente e terapeuta é uma relação afetiva atravessada por ambas as partes, ainda que o terapeuta tenha consciência de seu lugar nesta relação. Ele acolhe o sofrimento do outro assim como suas potências e legitima sua existência para além de seu diagnóstico. Uma relação verdadeiramente empática.
2. Criatividade: o engajamento do cliente no fazer artístico e no seu desenvolvimento criativo de modo que suas novas habilidades possam transpor as paredes do ateliê e auxiliar a pessoa na sua vida cotidiana, tornando-a mais rica e com significado. O arteterapeuta, por sua vez, precisa acreditar no benefício que o processo artístico promove na vida das pessoas com doenças mentais graves.
3. Reabilitação: a possibilidade de reconstrução da vida para além da doença. Não se trata de suprimir sintomas ou o diagnóstico. É um olhar mais integral para o sujeito que possui outras características e possibilidades de se expressar na vida e não limitá-lo a sua condição de um paciente com doença mental grave.
AUTENTICIDADE
“Competências terapêuticas, conhecimento teórico e as
próprias técnicas são requisitos para qualquer tratamento de sucesso. No
trabalho com pessoas com doenças mentais severas, a atitude do terapeuta é até
mais importante do que o que ela diz ou faz porque o engajamento autêntico e
sincero com as pessoas, e os materiais artísticos por si só, são os elementos
básicos de cura na arteterapia com esta população.
[...]
Terapeutas que são bem sucedidos com estes grupos são
honestos, calorosos e ativos. Sua principal função é ser como um ser humano
parceiro que não encara essas pessoas como pacientes mentais, mas como pessoas
com doença mental que um dia tiveram sonhos e esperanças como eles.” (SPANIOL).
A relação
autêntica entre o terapeuta e o paciente que a autora fala pode ser
interpretada à partir da atitude “Eu-Você” descrito por Mario Jacobi em seu livro
“Encontro Analítico”, onde ele descreve, a partir da Psicologia
Analítica, que a relação transferencial e contratransferencial se torna uma
relação autêntica quando o paciente deixa de ver seu terapeuta como um “Isso” -
o objeto de suas projeções, medos e desejos - e passa a vê-lo como um Outro, ou
“Você”, um sujeito que, como ele, esta ali também em desenvolvimento. Já para o
terapeuta, ele deixa de ver seu paciente como “Isso” - objeto de seus estudos,
pesquisa ou apenas um sujeito adoecido - e passa a enxergá-lo como um sujeito
desejante, que está ali em desenvolvimento para além de sua condição clínica. Essa
postura faz com que a relação se torne verdadeira, espontânea, capaz de
promover uma potência afetiva, que pode levar o paciente a buscar outras
relações autênticas, inclusive fora do ambiente terapêutico.
Mas para isso é
importante que o terapeuta esteja consciente de seu lugar nesta relação e
apropriado de seu saber técnico-teórico, porém atento para que quando estiver
atuando com o outro possa deixar em suspenso suas técnicas e se perceber um
humano diante de outro ser humano [5].
Também podemos pensar
a “autenticidade” a partir do conceito de “afeto catalisador” proposto no
Brasil pela Dra. Nise da Silveira (1905-1999). Na proposta de Sapniol o
terapeuta tem um papel mais ativo, incentivando o cliente a trabalhar,
conversando com ele, disponibilizando materiais, sugerindo atividades,
incentivando trocas no grupo, etc. No caso do “afeto catalisador” o monitor é
uma presença silenciosa e afetiva capaz de ser a ponte entre o cliente e o
fazer artístico. Nos dois casos é fundamental um comprometimento sincero, com
afeto e respeito, olhando o paciente não só como um doente, sendo capaz de
enxergar um ser humano rico, criativo e capaz de encontrar na arte um meio de
expressão.
CRIATIVIDADE
Retomando o tópico da relação terapêutica em arteterapia, a relação "Eu-Você" é somada a Imagem - material/processo/obra - que então nos fornece uma nova composição na relação terapêutica: a tríade "Eu - Imagem - Você". Embora a autora não trate desse aspecto da Arteterapia, ela defende a Criatividade como o engajamento autêntico e sincero com os materiais artísticos e este também pode ser entendido como um terceiro.
Como promover,
então, este modelo de relação do cliente com os materiais que a autora propõe?
Como sair da superficialidade do fazer por fazer ou do fazer quando solicitado?
Vivenciando ativamente a profundidade do processo artístico no tratamento. Ele
não precisa dominar todas as técnicas, mas é importante experimentar a
diversidade dos materiais a ponto de se sentir confiante diante de algo novo e
se manter curioso e interessado no processo que se desenrola no ateliê. Para
apoiar nesta caminhada, ou neste mergulho, o terapeuta precisa ter intimidade
com os materiais, se sentir à vontade criando um ambiente seguro para
experimentações e descobertas. Esta atitude é contagiante e auxilia no processo
de todo o grupo.
REABILITAÇÃO
“O termo ‘reabilitação’ tem sido usado de modo a
incluir a experiência humana profunda de superação do sofrimento que qualquer
um pode experimentar como doença, perdas, e traumas. Para pessoas com doenças mentais,
sugere crescer além dos limites da doença para construir uma vida
significativa, ainda quando a doença persistir. Reabilitação é um processo de
autoconhecimento e transformação que capacita pessoas com doenças mentais a
desenvolver vidas com dignidade e propósito.” (SPANIOL)
“Embora a jornada
de reabilitação de cada cliente seja única, os estudos descrevem um caminho principal
que leva de uma sensação de estar oprimido pela doença, estar lutando contra a
doença, estar vivendo com a doença, estar vivendo além da doença.” (SPANIOL)
Quando pensamos em
reabilitação de um paciente, entramos em contato com nosso desejo narcísico da
total extinção daquilo que causa adoecimento e sofrimento para ele. Entretanto,
a recuperação efetiva de um paciente que apresente os quadros graves de
depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia, não se dará ao nível da
exitinção da doença em si, mas da consciência de sua existência, de suas
limitações e de toda a potência que habita a psique deste sujeito ultrapassando
as fronteiras que a doença demarca.
Não se trata de
enquadrá-lo numa “normalidade” de saúde ou de inserção social tal como se
espera dentro deste estereótipo de normal. Mas ao invés disso, buscar sua singularidade dentro de todo o repertório
que ele possui apesar de apresentar uma doença mental.
A doença mental
não pode ser aquilo que define o sujeito, mas sim, uma marca na sua existência
que demandará cuidados e manejos por parte dele e da equipe de profissionais
que o redeiam. Por isso, a autora coloca o processo de recuperação em quatro
etapas:
1. A opressão pela doença, que seria o sofrimento e a incapacitação que ela traz para o sujeito nos momentos de maior crise e gravidade ou diante da expectativa de uma “normalidade”.
2. Lutar contra a doença seria o momento em que há o desejo e a fantasia da supressão da doença, como numa guerra, onde haverá um vencedor e um perdedor. Aqui ainda há uma perspectiva de perda, de erro, de luto, diante da possibilidade de conviver com uma doença mental.
3. Conviver com a doença descreve a etapa em que o sujeito compreende que ele possui um transtorno mental e que este exigirá dele cuidado e atenção ao longo de sua vida.
4. Viver para além da doença é tomar consciência de que ela não define a qualidade de vida do sujeito, nem tampouco limita suas possibilidades criativas. É a etapa em que se olha para a saúde, fortalendo-a ao invés de apenas reforçar o aspecto da doença.
Spaniol considera
que o conhecimento dessas fases podem ajudar significativamente o terapeuta a
criar planos de tratamento fundamentados na visão da recuperação orientada para
o bem-estar. Se esta leitura colaborou para a sua prática profissional ,
despertou algo novo no seu olhar para o tratamento de pacientes com doenças
mentais graves ou se você discorda do que acabou de ler, queremos saber a sua
opinião! Você pode deixe seu comentário nesta publicação ou nos encaminhar por
mensagem para publicá-lo.
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[3] Dados do Ministério da Saúde – https://saude.gov.br
[4] Dados do Ministério da Saúde – https://saude.gov.br
[5] Carl Gustav Jung - Wikiquotept.wikiquote.org › wiki › Carl_Gustav_Jung
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Referências:
SPANIOL,
Susan. Art Therapy with Adults with Severe Mental Illness. In: MALCHIOLDI ,
Cathy A., HANDBOOK OF ART THERAPY, NY, 2003
JACOBY,
Mario. O Encontro Analítico. São Paulo. Ed. Cultrix, 1984.
Ministério da Saúde, Depressão: causas, sintomas,
tratamentos, diagnóstico e prevenção. Disponível em: https://saude.gov.br/saude-de-a-z/depressao.
Acesso em: 02 de junho de 2020.
Ministério da Saúde, Prevenção do suicídio: sinais
para saber e agir Disponível em:
https://saude.gov.br/saude-de-a-z/suicidio. Acesso em: 02 de junho de
2020.
Carl Gustav Jung - Wikiquotept.wikiquote.org › wiki ›
Carl_Gustav_Jung. Acesso em: 03 de junho de 2020.
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Flávia Hargreaves
Coordenadora do projeto
artes.LOCUS - artes e desenvolvimento humano, Arteterapeuta AARJ 402,
Professora de Arteliê de Artes e História da Arte aplicada à Arteterapia,
Professora dos cursos de Formação em Arteterapia Ligia Diniz, Leiza Pereira e
Baalaka. Graduada em Comunicação Visual e Licenciatura em Artes Plásticas
(EBA-UFRJ), Formação em Arteterapia Ligia Diniz. Foi colaboradora da Casa das
Palmeiras (2014-2018) e Casa Verde (2009).
@
artes.locus
@hargreavesflavia
atelie.locus@gmail.com
Maria
Cristina de Resende
Formada em Psicologia, Arteterapia,
Psicologia Junguiana e Pós-graduanda em Saúde da Mulher e Psicologia.
Dedica sua prática profissional ao atendimento
clínico, grupos de estudo e grupos de mulheres com diversas abordagens em saúde
e autoconhecimento.
Terapeuta Floral e estudiosa das medicinas
tradicionais como a Ayurveda, Xamanismo e o Sagrado Feminino.
psi.mcresende@gmail.com
@psi.mariacristinaresende
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atelie.locus@gmail.com
Uuuaaauuu!! Excelente trabalho!!! Parabéns pela iniciativa e realização!!! Muito obrigada por disponibilizar!!
ResponderExcluirObrigada. Seu comentário não está identificado. Você gostaria de assinar o comentario?
ExcluirAdorei o texto! Informações muito importantes e ótima dica de livros. Parabéns!!! Bjs
ResponderExcluirObrigada Isabel!
ExcluirExcelente texto! Um grande auxilio para nossos eutudos, obrigada por compartilhar.
ResponderExcluirMaisa.
Obrigada Maisa.
ExcluirTrabalho com saúde mental e dependentes químicos. Amei o texto e me ajudou muito, me fortaleceu por eu saber que estou no caminho certo da abordagem com essa demanda de pacientes. Tem dado certo é ler este artigo fortaleceu ainda mais minhas ideias. Gratidão.
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