ARTETERAPIA, CORPO, DANÇA E CRIATIVIDADE

Por Priscila Ferreira

Hoje o artes.LOCUS recebe Priscila Ferreira compartilhando conosco sua experiência em Arteterapia utilizando técnicas corporais e artes visuais. Priscila é arteterapeuta e educadora do corpo e movimento e terapeuta reikiana. Criadora do projeto Vivencia Criativa – Ateliê Itinerante, em atividade desde 2017, que propõe levar à espaços educativos e holísticos encontros vivenciais criativos e atendimentos terapêuticos.
Boa leitura,
Flavia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS


ARTETERAPIA, CORPO, DANÇA E CRIATIVIDADE
MOVIMENTO CRIATIVO, ARTE E EXPRESSÃO NO PROCESSO TERAPÊUTICO

Oficina infantil realizada em Barbacena, MG, 2016.

Já se imaginou acordando com tempo para se espreguiçar e sentir cada músculo alongando? Suspirar profundamente antes de começar a pensar no problema mais difícil do dia? Seguir, então, até o banheiro e começar a sua rotina prestando atenção nos aromas de cada passo, e só perto de sair pegar o celular, colocar no bolso ou bolsa e seguir em frente! Longe de acontecer, não é verdade? Ok, de volta à realidade.

O que descrevi no primeiro parágrafo seria mais comum antes da chegada dos smartphones e seus aplicativos que, querendo ou não, suga-nos para uma lista de demandas que nunca cessam. Não conseguir se imaginar na realidade descrita sem ser em férias ou pior: achar que só pode ser utopia, só confirma para mim a importância de começar este artigo sugerindo um olhar mais aguçado sobre o comportamento humano induzido por hábitos da vida moderna.

Pessoas comuns são submetidas, todos os dias, a uma série de condicionamentos sociais e culturais, que resultam em mecanização de seus gestos e imobilidade corporal. O que parece uma inofensiva rotina de trabalho pode fazer parte de um processo que desorganiza o ser em sua forma mais profunda, sua estrutura psíquica.

As pessoas têm trabalhado muito, já a proporcionalidade do retorno de seus esforços é questionável. Desgastadas física e mentalmente, não se abrem para possibilidades de cuidados com o corpo, o que muitas vezes leva as pessoas a descarregarem, pela agressividade, a energia que não encontrou via de expressão, sendo porta aberta aos acidentes de todo tipo.

Além disso, por falta de tempo, em sua maioria por necessidade ou estética, indivíduos se rendem aos movimentos de massa, com exercícios físicos hegemônicos em um espaço fechado. Negligenciando, assim, o olhar particular que potencializaria sua capacidade corporal e subjetiva.

O corpo é um importante meio para expressar os sentimentos, através da fala, de gestos e de todo o vocabulário de movimentos cotidianos que influenciam no corpo do indivíduo.

Oficina infantil realizada em escola, Rio de Janeiro, RJ, 2016.

Na infância, por exemplo, a estrutura do conhecimento de mundo acontece essencialmente pela experiência corporal e as tais habilidades são obtidas da maneira orgânica. Ao passar do tempo há o hábito de moldar o comportamento das crianças, de acordo com os moldes, já mecanizados, do adulto. Estes movimentos mecânicos acabam por ocasionar na criança uma passividade, desvalorizando o potencial de descobertas e desafios.

Oficina para adultos realizada em Barbacena, MG, 2017.

Já os adultos envergonham-se de suas manifestações mais espontâneas, tanto as corporais, quanto as verbais e afetivas. Com isso, o corpo fica enrijecido e impermeável, perde-se a flexibilidade, a mobilidade e o impulso das ações. Não é de se espantar que se tornem adultos cada vez mais sérios e rígidos consigo e com todos ao seu redor.

O que tenho por objeto de estudo e sugestão é observar e questionar a vivência deste corpo, de seus gestos e movimentos, ainda que pareça nadar contra a corrente. Integrar o olhar ao corpo e ao movimento construído é uma atitude essencial dentro do contexto de busca da melhoria na qualidade de vida. As reflexões, neste contexto, contribuem para que este corpo seja descoberto, reconhecido, acolhido e vivenciado, proporcionando um melhor entendimento de seus anseios, suas dificuldades e seus medos.

Sabemos que durante o processo de desenvolvimento da vida humana, são incorporados padrões sociais, repetitivas normas de disciplina, repetição de gestos e experiências passadas pela própria história deste corpo.

O QUE FAZ UM INDIVÍDUO PERCEBER E VIVENCIAR O SEU MOVIMENTO?

Oficina infantil realizada em Barbacena, MG, 2017. Fotografia: Carla Abrão.

Trabalhar com o movimento pressupõe propor mudanças na mente, no corpo e no gesto. Não existe a necessidade de afastar-se do que é vivenciado no cotidiano, pelo contrário, ele pode ser aproveitado como uma forma de harmonizar o movimento para criar um novo caminho de crescimento e conhecimento. Pensar no movimento como aspecto terapêutico pode trazer ao indivíduo novas maneiras de relacionar-se com a vida, sendo, até mesmo, um aliado para sair do conforto, da inércia, da estabilidade. Assim, abre-se espaço para recriar o cotidiano de forma que se pareça mais conosco e atenda às nossas reais necessidades.

Neste ponto é que a Arte entra. Ela serve de canal para resgatar, despertar e fortalecer a confiança e a criatividade deste corpo. A arte leva-nos à possibilidade de libertar-nos de nossas mecanicidades e repetições, a termos atitudes criativas e ações criadoras. Tudo isso acontece porque ela tem o poder de despertar o artista que temos em nós, permitindo a nós encontrá-lo.

Por entender que o movimento expressivo pode atuar exercendo um importante papel terapêutico nos processos criativos da Arteterapia, facilitando a expressão, a comunicação e a materialização do mundo interno do indivíduo, busco integrar o movimento criativo como efetivo complemento à atividade arteterapêutica.

MOVIMENTO CRIATIVO

Oficina para adultos realizada em Barbacena, MG, 2017. Fotografia: Carla Abrão.

 Abordo o movimento criativo como aquele movimento sem uma função definida, no qual o indivíduo está livre corporalmente. Em liberdade, ele é vivenciado, sentido e descoberto, sem a dualidade do certo e errado.

A proposta do movimento como transformador de funções psíquicas não é nova, há vários entendimentos e métodos de cuidados corporais, entre eles, conhecidos como movimento expressivo, movimento espontâneo, movimento livre, movimento autêntico, consciência corporal, atitude desperta e expressividade corporal.


Oficina infantil realizada em escola, Rio de Janeiro, 2018.

Levo a proposta do corpo e movimento aliado à Arteterapia ao público em geral como, por exemplo, crianças, adolescentes, adultos, idosos e pessoas portadoras de necessidades especiais.

As oficinas criativas vivenciais são compostas de estratégias combinadas de movimento criativo e arteterapia. A prática de minhas oficinas são estruturadas na metodologia de Rudolf Laban (1989-1958), bailarino, coreógrafo, artista plástico, arquiteto e uma grande referência no estudo do movimento corporal. Sua investigação sobre as potencialidades dinâmicas do corpo teve como motivação realizar o repertório interno de movimentos livres. Laban acreditava na possibilidade de qualquer corpo dançar. Seu primeiro fundamento era pensar o movimento, percebê-lo, experimentá-lo e sentí-lo.

A proposta das oficinas permeia momentos como relaxamento, respiração, estímulo sensorial, percepção do movimento voluntário e involuntário, aplicação do movimento, criação de gesto que atuam como estímulo gerador para o livre fluir do movimento, quando podem explorar movimentos possíveis de concretizar, que surjam naturalmente.  Como continuidade, para elaborar a expressão realizada até então, porém mantendo-se no nível não verbal, os participantes são redimensionados para transposição da linguagem. Isto é, passam os conteúdos para uma nova expressividade, desenvolvendo uma expressividade plástica através de algumas modalidades como o desenho, a modelagem, a pintura, a colagem, a construção, a dança, animação, luz e sombra, teatro, histórias, entre outras.

Todo encontro vivencial possibilita ao participante, gerar uma imagem simbólica que revela gradualmente representações de conteúdos inconscientes.

As modalidades expressivas permitem experimentar possibilidades criativas, construir, desconstruir, transformar, reconhecer e compreender a si. Além de auxiliar nas diversas questões emocionais, melhoria da autoimagem, superação de traumas e autoconhecimento.

Tenho como inspiração o corpo e movimento, a arte como processo terapêutico, a relação corpo e natureza além de práticas de alguns artistas, autores e abordagens de referência mundial, tais como:  a Abordagem Pikler, a abordagem Reggio Emilia, o Método Montessoriano, Lygia Clark, Susan Bello, Selma Ciornai, Rudolf Laban, Carl Jung, Segni Mossi e outros que são relevantes para nós que acreditamos nas pessoas como protagonistas de suas ações.  

Concluindo, antes de qualquer transformação é preciso conhecer-se e aceitar-se tal como é. Daí a importância da vivência harmoniosa do aspecto corporal. Não é fácil, mas pode ser mais simples do que se imagina. Calma na alma! Tal missão está ao alcance de todos e é para todos.

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