SOBRE A COLAGEM NA ARTE E NA ARTETERAPIA

por Flávia Hargreaves

[texto publicado originalmente em  28/09/2015, atualizado em 08/04/2018 e em  07/07/2021]



Criação coletiva feita pelos alunos do curso Introdução aos Materiais de Arte, junho 2018.
Fotografia: Flávia Hargreaves

A colagem é uma técnica/linguagem muito utilizada em Arteterapia, sendo, com frequência, um dos primeiros trabalhos sugeridos no setting por ser considerado mais “seguro” do que a pintura, por exemplo. Quem já passou pela Arteterapia como cliente já deve ter se deparado com a sugestão de criar uma “colagem de apresentação”.  O texto que se segue é um convite à reflexão sobre o uso da colagem na Arteterapia, articulando o conhecimento da Arte com as práticas arteterapêuticas, trazendo mais perguntas do que respostas, na intenção de ampliar nossa percepção sobre essa prática.

Para começarmos a pensar sobre a colagem e a Arteterapia, é preciso entender que esta ingressa na História da Arte no século XX, com a Arte Moderna, e está presente nos processos artísticos até os dias de hoje, seja como técnica ou como parte de uma construção poética. Sugiro ao leitor um breve passeio pelas obras dos artistas modernos como Henri Matisse (1869-1954), Pablo Picasso (1881-1973), Georges Braque (1882-1963), Juan Gris (1887-1927), Max Ernst (1891-1976), Kurt Schwitters (1887-1948), Hannah Höch (1889-1978) e Hans Arp (1886-1966), e dos poetas Jorge de Lima (1893-1953) e Ferreira Gullar (1930-2016). E esse é só o começo de uma incrível viagem ...

Juan Gris, artista cubista, “tal como Braque, disse ter sido atraído para a colagem por causa do sentimento de certeza que lhe proporcionava. [...] Braque se refere aos fragmentos de papel que, mais tarde, foram incorporados aos desenhos como suas ‘certezas’.” (GOLDING, 1991). Essas afirmações fortalecem a ideia de “segurança” da técnica defendida pela Arteterapia.

Outro aspecto importante da colagem é estarmos trabalhando com “algo que já existe”, “fora” (fotografias, papéis coloridos, objetos, etc.), não exigindo do cliente habilidades de desenho e pintura, ou ter que “tirar” as imagens de “dentro”. Mas, precisamos estar atentos ao modo como cada cliente lida com os materiais e com as técnicas artísticas. O que para um parece assustador, para outro pode ser um prazer. Por exemplo, enquanto uma pessoa se sente confortável em buscar imagens prontas e recriá-las numa colagem, para outra esta pode se mostrar uma tarefa angustiante, buscando nas revistas ou caixas de recortes a imagem que já tem em mente, preferiria, talvez, criá-la a partir da sua imaginação.

Também devemos levar em consideração o caso do cliente ser alérgico a tinta ou ter algum impedimento para pintar. Matisse, em 1939, por motivo de saúde, recorreu à colagem fazendo recortes com papéis coloridos, nos sugerindo a possibilidade de pensar o recorte como o ato de desenhar com a tesoura, dando forma à cor, ou até mesmo como o ato de esculpir, lembrando o artista renascentista Michelangelo (1475-1564), retirando da cor, do papel colorido, como os escultores da pedra, o que não é a forma.

 


Henri Matisse, 1953. Guache sobre papel recortado, colado sobre papel montado em tela.


Entre os muitos modos de ver a colagem Hans Arp, artista dadaísta, e Ferreira Gullar, poeta e artista diletante, vão trazer o acaso para as suas criações. Os dois artistas passam por uma experiência semelhante. Arp, em episódio frequentemente citado, insatisfeito com um desenho rasga-o em pedaços que caem no chão e se surpreende com a expressão da organização “acidental” e aceita o acaso. Gullar muda seu processo de colagem, que fazia a partir de um desenho prévio, a partir de um “acidente” com o gato que, ao passar, desarrumou seus recortes. Arp e Gullar integram o acaso no seu processo criativo, e esse é um caminho muito interessante a ser explorado na colagem em Arteterapia. A segurança aqui, já começa a ser relativa.


Max Ernst e Hans Arp, 1920. Colagem com fragmentos de fotografia, 
guache, lápis, caneta e nanquim sobre papel cartão.


Max Ernst, artista surrealista, nos traz novas perspectivas diante da colagem e nos diz: “a técnica da colagem é a exploração sistemática do encontro casual ou artificialmente provocado de duas ou mais realidades estranhas entre si sobre um plano aparentemente inadequado, e um cintilar de poesia que resulta da aproximação dessas realidades.” (ERNST, apud PASSETI, 2007). “Fracionar e rejuntar, como faz a colagem, não repõe a unidade quebrada. Ela não pasteuriza nem pacifica. Não tem vocação democrática se isto for entendido como união de todas as diferenças. Há diferenças que não cabem em determinadas formas, mas cabem em outras.” (PASSETI, 2007). Podemos trazer esse pensamento para as relações interpessoais, familiares ou para o tema da inclusão, por exemplo.

E, se nos depararmos com um cliente que gosta tanto de colagem que insiste em explorar uma única linguagem? Ele estaria limitado? Congelado? Defensivo? Ou simplesmente teria encontrado a sua expressão artística sendo esse o melhor caminho a seguir? São perguntas que nós, arteterapeutas, precisamos nos fazer.

Como vimos, a ideia de segurança na colagem é relativa e todas as expressões artísticas são potentes e reveladoras no processo arteterapêutico. Nessa “colagem” de pensamentos, diante de um tema tão extenso, espero ter aguçado a sua curiosidade sobre a colagem tanto na Arte quanto nas práticas da Arteterpia.

E pra você, o que é colagem?

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Referências:
PASSETI, Dorothea Voegeli. Colagem: arte e antropologia.In: ponto-e-vírgula, 1: 11-24, 2007. Disponível em :

GOLDING, John. Cubismo.  In : STANGOS, Nikos (org.). Conceitos de Arte Moderna. 2ª ed. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1991.

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Flávia Hargreaves é coordenadora do projeto artes.LOCUS - artes e desenvolvimento humano, Arteterapeuta AARJ 402, Professora de Ateliê de Artes e História da Arte aplicada à Arteterapia, Professora dos cursos de Formação em Arteterapia Ligia Diniz, Leiza Pereira e Baalaka. Graduada em Comunicação Visual e Licenciatura em Artes Plásticas (EBA-UFRJ), Formação em Arteterapia Ligia Diniz. Foi colaboradora da Casa das Palmeiras (2014-2018) e Casa Verde (2009). Desde 2018 coordena, ao lado de Maria Teresa Rocha, o grupo Pintando Arcanos.

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