IMPRESSÕES DA ESPANHA IV: REENCONTRO COM A ARTE EM TEMPOS DE QUARENTENA
Por Marcela Campbell
Hoje, o artes.LOCUS recebe mais uma vez Marcela Figueiredo Campbell, dando continuidade a série A ARTETERAPIA E A ARTE: IMPRESSÕES DA ESPANHA, onde a autora compartilha conosco o seu reencontro com o desenho e a pintura durante a primeira quarentena em Madri, que chega hoje ao seu 15º dia.
Boa leitura,
Flavia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS
A ARTETERAPIA E A ARTE # IMPRESSÕES DA ESPANHA IV
REENCONTRO COM A ARTE EM TEMPOS DE QUARENTENA
REENCONTRO COM A ARTE EM TEMPOS DE QUARENTENA
por Marcela Campbell
O espanhol é um povo extrovertido. É muito difícil encontrar alguém sozinho em um restaurante, cinema ou parque. Eles estão sempre acompanhados e quanto mais, melhor. O espanhol não chama apenas o amigo para sair, ele chama o amigo, que chama o amigo, que chama a prima, que chama o namorado, que por fim chama seu melhor amigo com a namorada. As visitas não são regulares e os grupos geralmente não são os mesmos. Assim, imaginem como deve estar sendo a quarentena.
A Espanha está há quinze dias de
quarentena e considero que estou levando muito bem esse tempo comigo
mesma. Nesse meio tempo, neste “vazio”
no qual caí abruptamente de um dia para outro, comecei a investigar como
poderia aproveitá-lo da melhor maneira possível. Nos primeiros dias, adiantei
pré-projetos de monografia, de “memórias de práticas” [1],
investiguei sobre livros didáticos e até comecei a lê-los. Porém, dei uma pausa
na quarta passada (dia 18 de março) e admito que a partir de então “entrei de
férias” das obrigações teóricas extracurriculares.
Em contrapartida, neste momento de recolhimento
obrigatório, apostei por me reconectar com materiais plásticos dos quais havia
me distanciado. Considero-me uma pessoa que há alguns anos tem estado em
contato com o material de desenho e pintura. Sempre amei me aventurar nos
materiais: o “erro” me proporcionava gargalhadas enquanto as descobertas acidentais
me provocavam enorme curiosidade para entendê-las. Porém, devido a tragédias
pessoais que ocorreram em um curto período de tempo, acabei por me distanciar
das artes plásticas...
E foi assim, que neste momento de
recolhimento e vazio, decidi voltar a experimentar os lápis e as tintas. Mas
essa não foi uma decisão tomada de um dia para o outro. Pouco a pouco a arte
foi me puxando de volta para seu mundo e, de certo modo, entendi que o desenho
seria meu caminho para voltar a uma realidade menos caótica.
A enxurrada de notícias é
enlouquecedora. Estar em casa vinte e quatro horas escutando notícias sobre
mortes é assustador, principalmente nesse momento de tantas incertezas. Não sabemos
quando isso vai acabar e precisamos viver um dia de cada vez. Por isso, minha
primeira decisão foi não entrar mais em contato com notícias sobre o
coronavírus. Assim que me distanciei dos grupos de whatsapp apocalípticos,
silenciei palavras-chaves nas minhas redes sociais e, apenas uma vez ao dia, me
permito ler as notícias de fontes confiáveis para que assim possa estar
consciente do que acontece com o mundo sem ser tomada pelo pânico e pela
histeria coletiva.
Então, depois de uns dias de muitos
livros, filmes e séries, resolvi voltar a desenhar! Obviamente não gostei do resultado.
Porém, era um recomeço. Eu queria voltar a desenhar, mas, de alguma forma,
aquilo não estava me tocando. Até que alguns dias depois, caminhando pela casa,
parei para observar uma pétala no meu altar. Foi então que me entrou uma
vontade enorme de desenhá-la! Peguei meu lápis, meu caderno e passei ali um bom
tempo observando aquela pétala e traçando-a desde vários ângulos.
E então... Eu amei!
Desenhos e fotografias de Marcela Campbell. Madri, 2020.
Observar a pétala e desenhá-la me
reconectava a realidade e a um ambiente saudável: não era doença, nem morte,
era vida. Era meditativo e contemplativo. E foi assim que criei um jogo:
observar os detalhes da casa e desenhá-los. Meu segundo desenho foi um lustre
feito com lápis aquarelável e, apesar do resultado final ter saído meio
estranho, o processo foi muito divertido – e até descobri que meu novo caderno
não tem uma boa gramatura, nem qualidade! Porém, como me senti acolhida por
tais lápis, entendi que antes de voltar às tintas deveria continuar
experimentando o mundo dos lápis aquareláveis...
O Lustre. Fotografia de Marcela Campbell. Madri, 2020.
Durante o processo do lustre, também me
dei conta de que observar e desenhar o objeto me proporcionava concentração e
foco, além de criar um novo significado a um ambiente onde estarei confinada
por tanto tempo. No entanto, desenhar a pétala havia me proporcionado paz.
Assim que no dia seguinte, voltei a ilustrar a natureza que havia em minha
casa. Evidentemente que cada obra me proporcionará algo distinto, por isso, continuarei
explorando este jogo e pouco a pouco descobrirei o que preciso e como arte
poderá me ajudar a enfrentar este momento.
Enquanto escrevia este texto, recebi a
notícia de que ficaremos mais quinze dias de quarentena, pelo menos até o dia
13 de abril. Em vez de me desesperar, fiquei animada com a possibilidade de
imersão que terei nestes materiais... Quem sabe até lá não chego às tintas? Durante
este momento de reclusão e vazio, cada vez mais escuto relatos de pessoas se
reconectando com a arte e com sua criatividade e, cada dia que passa, estou
mais convicta do poder transformador das artes em geral. Não vejo a hora de ser
arteterapeuta!
Enquanto isso, continuarei enfrentando
a quarentena ao lado dos materiais...
[1] Trabalho final
sobre meu estágio que preciso apresentar diante de um tribunal no final do
mestrado.
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Marcela Figueiredo Campbell – Psicóloga e escritora dos livros Aprendendo em seis (2014) e A garota dos olhos violeta (2018). Estagiou na Casa das Palmeiras e posteriormente foi colaboradora da atividade de contos de fada. Atualmente, cursa o mestrado de terapias artísticas e criativas (ISEP), na Espanha. Colabora com as instituições AMAFE e AFAEP oferecendo oficinas de teatro e arte para pessoas com transtornos psicóticos. Também atua em CEAR, dando oficinas de arte para pessoas em situação de refúgio.
Whatsapp: + 34 665 459 844
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É isso aí filha, vivendo a quarentena com responsabilidade e sabedoria!👏👏👏❤
ResponderExcluirQue texto fantastico! Amei! 🥰🥰
ResponderExcluirAndrea Luchesi - via whatsapp em 25/03/20
ResponderExcluirEmocionante e inspirador o texto da Marcela. É quase viceral, no sentido de imersão em nossa essência. A arte cura em vários aspectos e Marcela teve a generosidade de contar o seu processo. Obrigada!
Obrigada, Andrea! Que a arte nos acompanhe neste momento tão incerto e assim possamos encontrar um pouco de paz!
ExcluirSônia Guimarães - via facebook em 25/03/20
ResponderExcluirA casa, vazia, silenciosa, calma.Nunca a observamos bem! Maravilha essa descoberta das pequenas coisas que contém e que podem ser transformadas em Arte.
Muito obrigada! Espero que esteja passando esse período da maneira mais tranquila possível e com muita arte!
ExcluirSilvia Carneiro - via whatsapp em 25/03/20
ResponderExcluirEu adorei. Foi o primeiro texto que li logo pela manhã. Assim comecei meu dia, mais leve, sem tanta enxurrada de desgraça e política.
Fiquei percebendo que quase tudo na casa dela lembrava flores.
A pétala. Depois o lustre em forma de pétalas. Inspirador.
Até desenhei o relógio que estava na minha frente e fiz um texto.
Obrigada Marcela pela inspiração e conexão com o mundo interno.
Fico feliz em poder ter ajudado. Espero que continue encontrando esses pequenos momentos de conexão. Muito obrigada pelo comentário e boa sorte nessa jornada.
ExcluirTexto lindo. Muito orgulho de vc amor. Viva cada momento maravilhoso como esse. Amei
ResponderExcluirMirtes Fonseca - via facebook em 25/03/20
ResponderExcluirEntão, um pouco de interioridade faz bem. E quando esse olhar se depara com nem que seja a simplicidade de uma pétala, olha a natureza nos chamando à simplicidade. Ao menos que é mais. A arte em meio ao o que fazer quando não se tem o que fazer. É salvador. Nos salva do tédio.
Nos salva de nos saber tão sós. E nos descobrimos criativos e a arte curativa. Bonito o texto. De uma simplicidade. ..Por certo a autora foi contagiada pela simplicidade que natureza nos brinda. Gratidão por partilhar conosco sua visão sobre o caos e nos mostrar que ali onde há o caos pode nascer a esperança. A arte salva.
Muito obrigada! Está sendo muito interessante perceber a potencia da arte em momentos como este! Desejo que sua quarentena tenha bastante simplicidade e arte!
ResponderExcluirO fazer artístico nos conecta com o mundo, resignifica a realidade, enquanto nos reconecta a nós mesmos, como você bem observa no seu belo texto.
ResponderExcluirÉ lindo como você descreve o seu processo de criação, e como percebe com maturidade, a importância deste no aprofundamento da experiência criativa, na perspectiva do autoconhecimento e enriquecimento pessoal.
Desejo uma quarentena bastante produtiva.
Beijos minha amada afilhada
Obrigada, padrinho! O senhor sempre foi uma grande fonte de inspiração! Obrigada por acompanhar minha trajetória!
ExcluirBeijos!
Mto bom, gostei. Concordo com a entrevistada, recuperar as coisas boas esquecidas na correria do dia a dia, durante a quarentena, é remédio agradável para manter nossa sanidade mental. Um exemplo a ser seguido.
ResponderExcluirMuito obrigada! Espero que também encontre seu caminho e que sua quarentena seja acompanhada de muita arte!
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