ARTE E NATUREZA – Conversando com Maurício Barbato

Por Flávia Hargreaves
- Coordenadora do projeto artes.LOCUS

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No dia 28 de maio de 2018, o artista naturalista e professor Maurício Barbato abriu as portas de seu ateliê e nos recebeu para uma agradável conversa sobre sua relação com a ARTE e a NATUREZA.
Iniciou nossa conversa com uma citação de Oscar Wilde: “O que ganhamos com a arte não é o que aprendemos com ela e sim o que nos tornamos por meio dela.” E, ao longo do nosso encontro, deixou clara a impossibilidade de separação entre os temas: ARTE, NATUREZA e VIDA, além da relevância de uma atitude CONTEMPLATIVA. Em outras palavras, a contemplação da natureza e a sua expressão em arte, presentes desde a infância, desempenharam um papel crucial no seu modo de ser e agir no mundo.

A DESCOBERTA DE UM TEMA


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Barbato relatou que ainda criança, no sitio da família em Tinguá (Rio de Janeiro), passava horas sozinho na mata ao cair da tarde contemplando a natureza e registrando tudo o que lhe interessava através do desenho. Observava o vôo das andorinhas, ou quando elas bebiam água no lago e, então, via as fascinantes plantas aquáticas... entre aves e plantas, seu olhar interessado passeava, enquanto suas mãos registravam tudo cuidadosamente. Ele literalmente sumia na mata! Precisava desse momento em que ELE, a ARTE e a NATUREZA estavam em comunhão. Esta atitude, que precocemente respondia a uma necessidade interior, fez com que fosse visto pelos demais como “estranho”, mas já era o caminho do artista que desde muito cedo reconhece o seu TEMA. Talvez não seja exagero dizer que sua arte partiu daqueles mergulhos solitários e silenciosos na natureza em Tinguá, experiência que possibilitou o desenvolvimento de um olhar sensível e investigativo diante das cores e das formas naturais e o aperfeiçoamento de um desenho que nos assombra com uma espécie de ilusão de realidade, sim ... a realidade de Mauricio Barbato parece mais real e tridimensional do que o real.
Mas como se chega a isso? Ele nos dá algumas dicas. A primeira seria a combinação de um olhar CONTEMPLATIVO com o INVESTIGATIVO - “É preciso ser um Sherlock Holmes diante da natureza.” A segunda, não menos importante, seria a PERSISTÊNCIA. Ele nos conta que em determinada fase da vida sua atenção se voltou para as gaivotas. - “desenhava muito do mesmo, o que me levou a conhecer todas as formas, as proporções, os tamanhos, as relações com as outras aves, os seus movimentos, etc. Me tornei um especialista em gaivotas. Sei fazer gaivotas até hoje.”
A fascinação da criança por aquela mata persiste no adulto, que vê a floresta tropical como um resumo do mundo inteiro, ou seria do seu mundo? ... Mas retomando a nossa questão – ARTE e NATUREZA - ocorre que na vida real o sitio de Tinguá ficou para trás, o seu pedaço particular de natureza não estava mais acessível, não era mais seu. E ele reconstruiu a sua MATA no seu ATELIÊ. Nas palavras do artista: “Eu precisava resgatar o meu sítio e a pintura me deu isso. Eu precisava estar em contato com a mata. Desenhar e pintar foi, e ainda é, uma forma de me manter conectado a ela. Claro que temos outras matas no Rio de Janeiro ... o Jardim Botânico, a Floresta da Tijuca, lugares que visito frequentemente, mas foi a pintura que me manteve conectado. Reconheço isso!”

ENTRANDO NO ATELIÊ DO ARTISTA

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O lugar de criação de um artista nunca é um lugar qualquer, é O LUGAR. Entrar no ateliê de Mauricio Barbato é como entrar em sua floresta particular, com suas cores e formas, com sua luminosidade tropical e com seus cantos escuros. Como ele costuma dizer com relação às suas pinturas “nenhum espaço está realmente vazio, principalmente os escuros”, e isso também vale para o seu ateliê e, quem sabe, para tudo o que vive e pulsa. A primeira imagem que se tem ao abrir a porta é uma profusão de papéis, pilhas e mais pilhas de fotos, livros por todos os lados, baldes de pincéis nas mesas e no chão, tubos de tinta, lápis de cor espalhados sobre a mesa... Desenhos minúsculos convivendo com pinturas enormes. Tudo parece caoticamente vivo, e a sua obra se impõe limpa e organizada no meio do caos, e ela se alimenta do caos, ela surge do caos.

SOBRE A PERSISTÊNCIA


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Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Catedral_de_Ru%C3%A3o_(Monet).

Sobre a persistência na investigação de um tema, cita os estudos do artista impressionista francês Claude Monet (1840-1926), em especial a série composta de trinta pinturas da Catedral de Rouen, realizadas entre 1892 e 1894, por considerá-las uma das mais significativas pesquisas artísticas de alguém que quer captar, pintar aquilo que está vendo. Percebendo que as cores mudam, que tudo muda o tempo todo. Basta uma nuvem entrar para que o artista esteja diante de outras cores, outras realidades. Se pensarmos em intervalos mais longos, temos as diferentes estações do ano ... o inverno com a sua luz tênue e inclinada trazendo novas sombras. Barbato complementa dizendo que aprendeu essas diferenças de luz desenhando na Europa, há muitos anos, e reconhece que as luzes nas altas latitudes são muito diferentes das nossas. Mas mesmo na Europa a luz não é igual. Viajando da França para a Itália, são outras luzes, outras cores, outro céu azul. Tecnicamente, por exemplo, cita que no Mediterâneo uma fachada pela manhã pode ser um forte amarelo ocre, e à tarde se tornar um ocre azulado e que a atenção a esses detalhes enriquecem o processo de criação. E ressalta que o uso da cor não se aprende de uma hora para outra e que identificar a tinta a ser usada não significa saber como usá-la ... e nem dá para ensinar isso, é preciso VIVER isso, experimentar, criar seus próprios meios para desenvolver isso, BUSCAR VERDADEIRAMENTE. É preciso ser meio cientista também. E isso vai levar muito tempo.

O QUE SE PODE ENSINAR?


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Barbato responde que “o professor orienta, oferece meios, dá dicas e referências, também demonstra o uso do material, etc., mas até onde aquele aluno está disposto a ir será uma decisão individual. E quanto à técnica, é claro que existem técnicas a ensinar, mas é preciso ir além e desenvolver a sua técnica, o seu modo de pintar, a sua linha de trabalho e se tornar um especialista naquilo que decidiu fazer. Como professor e artista eu posso ensinar como chegar a tal ‘verde’, como obter transparência, ofereço recursos técnicos para que o aluno observe e compreenda o que está vendo, se uma planta, por exemplo, é ‘verde amarelado’ e é transparente, como fica quando a luz vem por trás? Intensifica o amarelo? Qual a cor do ambiente por trás desta planta, e assim por diante...”

A ARTE E A VIDA


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Sobre como a sua arte reflete em outros aspectos da sua vida, reconhece que a atitude contemplativa diante da natureza como um tema artístico, transborda para a sua relação com a vida de um modo geral. Seu trabalho exige tempo, paciência e silêncio. Acredita que sua arte moldou a sua personalidade, sua maneira de encarar as pessoas e também lhe ensinou a se colocar no lugar do outro. Se considera uma pessoa introspectiva e observadora, mas que isso não significa reclusão. Reconhece também alguma influência na sua dificuldade com a tecnologia, embora já tenha se rendido ao instagram.

Conta um episódio recente em que ao pintar determinada flor teve dúvidas de como ela era. Apesar das referencias fotográficas e da sua memória da flor sentiu que precisava estar diante da flor real e foi ao Jardim Botânico conferir o que precisava. E constatou que sua pintura estava errada. Fotografou os detalhes necessários e retornou ao trabalho no ateliê. Com as pessoas não é muito diferente. Nesses tempos de relações virtuais, de comunicações instantâneas, mediadas por um smartphone, ÀS VEZES PRECISAMOS ESTAR DIANTE DA PESSOA REAL.

ARTE E ARTETERAPIA

Para finalizar, gostaria de destacar alguns pontos para reflexão, tanto pessoal como profissional, dirigida àqueles que se dedicam à Arte na perspectiva da terapia e do desenvolvimento humano:

- DESENHAR MUITO DO MESMO! Essa afirmação nos remete a questões como o quanto NÃO estamos disponíveis para dispensar o tempo necessário para o aperfeiçoamento de uma prática, o que talvez seja um reflexo da nossa dificuldade de identificar o NOSSO TEMA. Mas será que o tema deveria emergir ao longo do processo? Conseguimos perceber a diferença entre REPETIÇÃO e PERSISTÊNCIA?

- ATÉ ONDE AQUELE ALUNO ESTÁ DISPOSTO A IR? Até onde cada um de nós está disposto a ir? Até onde nosso cliente/aluno está disposto a ir? O que um professor que nos orienta a criar nossos próprios meios para desenvolver uma técnica pode nos ensinar? O que seria BUSCAR VERDADEIRAMENTE algo?

- ÀS VEZES PRECISAMOS ESTAR DIANTE DA PESSOA REAL! Em tempos de relações virtuais e de "falta de tempo", seja um transgressor e chame aquele amigo para tomar café, um vinho, um açaí ... e, se ao encontrá-lo não tiver nada a dizer ... dê-lhe um abraço. Fica a dica!
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Veja a obra de Maurício Barbato no instagram

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Caso tenha dificuldade em publicar seu comentário neste blog você poderá encaminhá-lo para o email:atelie.locus@gmail.com que ele será publicado. Obrigada.

Comentários

  1. Mensagem enviada por Maurício Barbato via whatsapp em 20/06/18: "Gratidão! Flávia, você conseguiu com palavras, resgatar não só para outros, mas para mim mesmo, preciosas lembranças do meu despertar como artista, mas a mim mesmo, como ser. Parece que tomou emprestado por uns momentos, meus olhos. Através desse meu olhar no seu, me deu a oportunidade de me compreender ainda mais. Um belo texto, que me fez e fará acordar mais feliz!!! Obrigado Querida!"

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  2. Maurício é um dos melhores artistas que conheci, não só artista como também, pessoa. Seu trabalho é primoroso e único, fazendo com que o espectador se transporte para o local retratado. Ótima escolha, parabéns!

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