CAMINHOS DA CRIAÇÃO

Hoje, recebemos a escritora e crítica teatral, Ida Vicenzia, compartilhando conosco suas reflexões sobre os CAMINHOS DA CRIAÇÃO. Ida é uma dessas pessoas que vive “artisticamente” ou, como diz Janaína Gouveia, vive “entre mundos”, em um estado de encantamento, rodeada de livros, artes e artistas. Lendo as suas criticas, fica claro o seu amor pelo teatro e pelos profissionais dessa arte. Percebemos o cuidado e o respeito com que se refere aos artistas e técnicos, mesmo quando o trabalho não lhe agrada. Cita todos, um a um, deixando recados construtivos, pontuando aspectos positivos ou sugerindo revisões. Ela quer que eles cresçam e nunca desistam de sua ARTE! Creio que essa postura se deva ao fato de também ser artista e conseguir se colocar no lugar de cada um deles, com a consciência dos obstáculos e da necessidade de persistir. 
Nesse breve texto, Ida dá voz à artista que dentro dela existe. Generosamente, nos fala do seu processo criativo, assim como da sua necessidade permanente de contato com a arte.
Boa leitura.
Flávia Hargreaves
- Coordenadora do projeto artes.LOCUS
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CAMINHOS DA CRIAÇÃO
pela escritora Ida Vicenzia

Ida Vicenzia. Fotografia Fernando Hargreaves.

A ARTISTA PLASTICA E ARTETERAPEUTA FLAVIA HARGREAVES solicitou-me impressões de meu caminho enquanto criadora. Considerei essa solicitação uma bela ocasião de rever o impulso que leva à criação. Em primeiro lugar, gostaria de destacar que este impulso é um mistério, mas nada tão grave que não possamos procurar entendê-lo!  No meu caso - e acho que no caso de outros criadores - somos levados a este "estado criativo" pela necessidade de transcender o mundo real, de sonhar outros sonhos, viver outras vidas. Trata-se de um impulso que nos faz sentir renovados, onde a nossa percepção artística se expande.  Talvez não consigamos viver sem este impulso!

HÁ MUITAS PERGUNTAS NO AR: TENTAREMOS PENSAR ALGUMAS RESPOSTAS.

No meu caso, poderia falar na falta que sinto quando fico muito tempo sem assistir a um bom espetáculo teatral, e da falta que sinto ao ficar muito tempo sem escrever sobre teatro. Nada muito surpreendente, pois sou uma crítica de teatro. (E o que nos leva a ser crítica de teatro?). Já tentei compreender isso, de diversas maneiras. Ao mesmo tempo que, na faculdade, eu escrevia sobre a emoção de ter apreciado a uma obra de arte - uma pintura, a interpretação de uma música, eu também procurava participar destes processos criativos. Quando no mestrado fiz parte do coral da faculdade, participei do grupo de contadores de historias, escrevi pequenas análises de obras de escritores famosos, sempre prestando atenção no que, verdadeiramente, me dava emoção. Confesso que fiquei muito entusiasmada com o contato com o público, e com a emoção de contar historias. Era muito bom quando havia espetáculo, acho que é a mesma emoção que alguns professores sentem no contato com os seus alunos. A nossa plateia são os nossos amores! 

Eu também escrevo contos e possuo alguns deles publicados em livro. Estar frente a frente com um texto, na solidão do escritório "eu e o meu computador", revelou-se uma fonte inesgotável de novas percepções. E, coisa estranha, nunca sei como vai terminar um conto que escrevo. Para minha surpresa - e já vi muito criador falar sobre isso - o texto cria vida e escolhe o seu caminho. Só uma coisa fica muito clara em minha mente - sinto profunda satisfação quando estou criando, e fico surpresa - sempre - com o caminho independente que minha historia atravessa!

E, o que não poderia deixar de observar: fico triste quando coloco o ponto final na historia, ou quando entrego meu livro para um editor - fico com a sensação de vazio. Tenho que preencher este vazio com uma nova escrita! Assim acontece quando estou escrevendo um livro de contos ou uma biografia. É prazeroso o processo criativo, ele sempre está solicitando novos caminhos. Pesquisar sobre outras pessoas, em uma biografia, é muito enriquecedor, e a redação final é surpreendente, sempre. O importante é manter-se em atividade, inventando coisas novas, personagens que acabam donos de seu próprio destino! Antes eu achava que isso era "fantasia de escritor" - mas é a pura verdade.

Agora, por exemplo, terminei uma peça de teatro e fiquei estarrecida ao perceber que os personagens me levaram a caminhos que eles queriam tomar! Ao entrarmos no mundo da criação sempre algo novo vai nos surpreender. Há sempre uma sensação de completude no processo que se estabelece. Resumindo: sinto falta de assistir teatro e de escrever sobre ele, reforçar  minha vontade de transcender através da arte - sim, essa é a palavra: TRANSCENDER... Ao iniciar uma nova escrita penso em cobrir a expectativa de quem quer conhecer o meu trabalho. E as pessoas se aproximam de mim de diversas maneiras. Neste aproximar percebo a importância das redes sociais. Há uma troca incessante entre as pessoas que acompanham o nosso ato criador através das redes. A sequência se estabelece. Quanto ao teatro, o caminho é o seguinte: depois que vejo o trabalho dos atores, a concepção do diretor, começo a análise do que foi feito, através da crítica do meu trabalho. Sim, escrevo e divulgo essa crítica no meu blog, e também divulgo críticas do trabalho teatral de outros criadores. Eis uma obra de arte que é, também, um trabalho de amor. É a partir da critica que começo a compreender o que fiz e o que vi do trabalho de outros artistas.

Para finalizar, gostaria de voltar ao TRANSCENDER, ao quão prazeroso é transcender, viver outras vidas, e o impulso que nos leva a esse estado de criação! Sonhar, ultrapassar o dia-a-dia, isso é o que importa! Mas é preciso saber organizar o mundo, colocar um freio neste "trabalho incessante" (quem cria sabe do que estou falando...) é ter horário para encontrar os seus heróis (no meu caso, na escrita). É por isso que os artistas estão sempre procurando novas aventuras estéticas. Nunca sabemos o caminho que o nosso trabalho vai seguir, porque há algo que se torna muito forte, se presentifica quando estamos escrevendo. O início do processo é fácil de controlar. 1º - Criar pelo prazer de criar. Entrar em "estado de transcendência" é fascinante. Assim, tout court ... Mas o processo se estende, e as questões retornam. Por que pintamos? Esculpimos? Compomos música? Criamos peças de teatro? E por que somos artistas? Estas perguntas fazem parte de um grande misterio!

#arte#criação#literatura#critica#teatro

Acompanhe as críticas teatrais de IDA VICENZIA acessando o blog:

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Comentários

  1. Amei poder viajar por esses caminhos criativos. Me levou a pensar em personagens que havia esquecido.Senti na leitura minhas borboletas voando no estômago. Parabéns,Ida Vicenzia! Parabéns,Flávia por nos apresentar pessoas maravilhosas que nos conduz a refletir.

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  2. Comentário enviado por Cristiane Machado, via facebook, 11/04/18 : "Lindo texto! E mais uma vez me deparo com a palavra TRANSCEDER, existe um mistério nela, pra mim. Estou em busca de encontra lo! Grata pela partilha, Flavia Hargreaves!"

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  3. Inspirador, o caminho da criação apresentado pela autora. Abre a porta e aponta caminhos, desperta memória, quem nunca?, e não discrimina expressão artística. Enquanto fala do seu mètier, convida a seguirmos o nosso, insinua. Muito bom!! Graças à Arte!!

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  4. Fico muito grata pela acolhida de minha leitura da Arte. Eis algo que é necessario em nossas vidas!

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