SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE DE DESAPARECER
por Janaina Gouveia
contato: janaranaveia@gmail.com
“Assombro”, fotomontagem de Janaina Gouveia, 2018.
Hoje, recebemos Janaína Gouveia compartilhando
conosco suas experiências com a fotografia. Janaína tem sido uma das poucas
pessoas que sigo pessoalmente no INSTAGRAM. Nos conhecemos há muito tempo, mas
não tínhamos praticamente nenhum contato, há mais de 10 anos, embora fôssemos
amigas no FACEBOOK. E aí está uma coisa boa das redes sociais: VI AS FOTOS DE
JANAÍNA(!) que me chamaram a atenção pela sensibilidade com que capturava o
cotidiano, aquilo que vemos todos os dias e não prestamos atenção, a poesia oculta
nas coisas comuns. Também me chamou a atenção a quantidade da sua produção.
Estava diante de um diário fotográfico, vendo o mundo através do olhar da
artista que, como ela mesma coloca, um olhar estrangeiro sobre si, um olhar
entre mundos. Estas imagens e a intensidade da sua produção despertaram em mim
o desejo de trazer depoimentos de artistas para este espaço virtual do
artes.LOCUS. Artistas que estejam em plena produção, mergulhados nela. Artistas
que podemos seguir no INSTAGRAM ou outras vias virtuais.
Na ocasião do convite para participar deste blog,
foram enviados alguns textos publicados aqui para sua apreciação e um deles, em
especial, a mobilizou em suas reflexões sobre seu processo criativo, o “Sobre a
arte de desaparecer” (publicado em 3 de maio de 2017).
Boa leitura!
Flávia Hargreaves
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SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO
ATRAVÉS DA ARTE DE DESAPARECER.
por Janaina Gouveia
contato: janaranaveia@gmail.com
“Autorretrato” e “Plumas”, fotografias de Janaina
Gouveia, 2018.
Antes de tratar
do processo criativo, preciso colocar algumas questões que me levaram a escolha
da fotografia digital como a minha forma de expressão artística. Fazendo um
breve histórico, frequentei a Escola de Belas Artes - UFRJ, nos anos 90, onde
pude experimentar diversas técnicas artísticas tradicionais como desenho,
pintura, gravura e cerâmica. A fotografia, na época analógica, ainda não havia
me capturado e as artes plásticas não respondiam à minha necessidade de
dinamismo. Eu começava a pintar uma tela e, às vezes, a retomava só um mês
depois. Tinha que parar tudo pra pintar, todo aquele ritual ... entre a ideia e
a execução eu perdia energia, me perdia e me frustrava. Foi então que chegou às
minhas mãos, e às mãos de todos, o SMARTPHONE. Comecei a fotografar e editar
imagens no aparelho e encontrei a rapidez e o dinamismo que buscava e,
principalmente, fiquei satisfeita com as imagens criadas. Passei a fotografar
mais e mais, podia fotografar a qualquer hora, em qualquer lugar, e deixei de
lado o desenho e a pintura. Ou, seria melhor dizer, desenho e pinto com outras
ferramentas. Desde então, me dedico à fotografia e, eventualmente, ao que
venho denominar FOTOMONTAGEM, que poderia ser definida como uma colagem
digital de elementos capturados de minhas próprias imagens. Enfim, a
linguagem fotográfica me proporcionou a forma com a qual eu melhor pude ler o
mundo.
“Meus Olhos 1 e 2”, fotomontagens de Janaina
Gouveia, 2018.
SER
ARTISTA É ESTAR ENTRE MUNDOS, DESAPARECER E REAPARECER
"Quando
estou realmente em mim, o mundo não tem graça. É preciso que eu transite entre
mundos para que possa fazer uma leitura que me faça sair do que me define
para permanecer em mim."
Janaína Gouveia.
Passar por esse mundo é por si só um imenso desafio, estar parado como
um ponto minúsculo no espaço, sentindo tudo de uma forma particular, consiste
em uma grande jornada de desafios e obstáculos. Eu penso que esse ponto é o
artista, tão livre e tão preso, e essa sua natureza que o torna capaz de estar
e não estar, de ser, deixar de ser e de se transformar a todo momento.
Vejo o processo
de criação como um fenômeno cheio de altos e baixos, uma montanha russa
emocional, onde o artista (agente) se vê obrigado a lidar consigo, com o tempo
e com o espaço, de forma irregular, sem ordem, e sem proporcionalidades exatas.
Ele vem e vai, da realidade ao mundo paralelo, que se vai formando a cada
imersão, onde constrói um diálogo ativo e permanente com uma parte de si que lá
reside.
“Jardim de Inverno” e “Ela”, fotografias de Janaina
Gouveia, 2018.
Sobre a necessidade de desaparecer para criar, eu diria que é preciso
manter o olhar “estrangeiro” sobre si e as coisas do entorno. Quando estou
realmente em mim, o mundo não tem graça, eu preciso transitar entre mundos,
para que possa fazer uma leitura que me faça sair daquilo que me compreendo
para permanecer em mim.
É esse olhar que me dá os instrumentos para alcançar o encantamento
sobre o mundo comum, onde um gato deixa de ser um simples gato, onde um gato
tem a mesma dimensão de um vaso de flores murchas. Desparecer é sair da
atmosfera do real, caminhar em direção ao desconhecido, adentrar em um universo
onde está a apreensão verdadeira da essência do fazer artístico. Porém, não é
fácil alcançar esse estado mental, requer muito desgarramento e até uma dose de
desprezo para com o mundo.
"Híbrido", fotomontagem de Janaina
Gouveia, 2018.
Quando eu começo uma sequência de fotos, sinto que as primeiras vem de
forma automática, sem muita emoção. É preciso certo tempo, para criar em mim a
emoção, até que eu comece a travar um diálogo único e peculiar com o objeto da
fotografia. É necessário primeiramente se modificar para modificar. A partir
daí, quando as coisas deixam de ser simples coisas, é quando ocorre a magia da
criação.
As grandes batalhas da mente acontecem nesse mundo em suspensão, onde
a arte é conexão entre mundos, onde desaparecer é tornar-se mensageiro e
reaparecer é saber-se outro. Citando Schopenhauer, “esta libertação do
saber com relação à vontade, este esquecimento do eu individual e de seus
interesses materiais, esta elevação da mente a contemplação livre da verdade, é
função da arte”.
Mente de Brás",
fotomontagem de Janaina Gouveia, 2018.
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Acompanhe o
trabalho de Janaína pelo INSTAGRAM: gouveia.jana
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Bom dia Janaína..a rapidez do mundo digital, as novas ferramentas que te veiculam o olhar artístico, o se perder para se reencontar no trabalho..sua forma de expressão me tocou. Estou pesquisando a fotografia digital como arte, uma forma do artista mostrar seu olhar, através de como ele se vê e em muito me acrescentou sua fala. Grata, Gloria Fisher
ResponderExcluirClaudia Lefebvre Ribeiro Bastos - via facebook em 01/04/20
ResponderExcluirNossa, quanta coisa linda ela escreve sobre o processo criativo. Li e reli várias vezes e me identifiquei com muitas partes. Nunca tinha pensado sob essa ótica do desprezo pelo mundo, que é muito real quando estamos imersos em nós mesmos, e ao mesmo tempo um paradoxo pq o que move a criação é tb um encantamento pelo mundo que desprezamos! Adorei essa parte: “As grandes batalhas da mente acontecem nesse mundo em suspensão, onde a arte é conexão entre mundos, onde desaparecer é tornar-se mensageiro e reaparecer é saber-se outro.”