VER e REVER, LER e RELER

 por Flávia Hargreaves

Revisão de conteúdo por Regina Diniz

[REPOST - publicado originalmente em 25 de abril de 2018]




movimentorumoaocontato#ensaiofotográfico#flávia Hargreaves#2009.

VER e REVER, LER e RELER, ações próprias da idade madura, quando estes verbos tornam-se reflexivos – VER-SE e REVER-SE, LER-SE e RELER-SE. Não estou ocupada com a gramática, mas com a ideia de uma ação que se volta para o autor. O texto de hoje trata da retomada da minha produção artística e da necessidade de REVER-ME e de RELER-ME como artista e arteterapeuta.

ARTISTA E ARTETERAPEUTA

Olhando para trás, percebo que a ARTETERAPIA ME REAPROXIMOU DA ARTE. Minhas reflexões sobre o papel da Arte na Arteterapia têm sido fundamentais para esse processo de retomada artística... E, o que era uma reflexão sobre a profissão do arteterapeuta, encontrou eco na revisão da minha biografia, na qual estou engajada com o acompanhamento da aconselhadora biográfica e artista visual, Daniella Liu. Essas reflexões têm influenciado positivamente o meu modo de fazer e pensar a Arte hoje, seja como artista, seja como arteterapeuta.

Nesse processo de resgate, foi possível lançar um olhar consciente sobre caminho percorrido e perceber como a Arte, para mim, sempre foi um caminho de autoconhecimento, um meio para reestabelecer o equilíbrio emocional e para lidar com as minhas fragilidades e medos, promovendo tanto um mergulho no meu mundo interno, quanto a comunicação com o externo. Percebi que, desde muito antes de ouvir falar em Arteterapia, eu já experimentava o potencial terapêutico da expressão artística. Talvez por isso, o meu olhar como arteterapeuta parta do olhar da artista. 

REVIRANDO O BAÚ

Revirando o baú, vendo e revendo desenhos, fotografias, pinturas e esboços, lendo e relendo rascunhos, ideias e projetos não realizados, escritas poéticas, além de textos para estudo recolhidos ao longo de muitos anos ...  passeei pelas minhas influências, meus gostos, pelas mudanças de forma e de estilo, identifiquei longas pausas e crises criativas ... e, na busca ansiosa por minhas imagens e pela artista que queria ser, me perguntei: O que persiste? O que ainda se mostra significativo? A resposta foi simples e continua simples: a necessidade da Arte é o que em mim persiste.

Ao longo de 2018, compartilharei com vocês alguns achados significativos que ainda me instigam e mobilizam. Hoje, trago um trabalho de 2009: MOVIMENTO RUMO AO CONTATO,  releitura de uma leitura.

MOVIMENTO RUMO AO CONTATO

Em 2009, cursando Licenciatura em Artes Plásticas (EBA-UFRJ), foi solicitado, na disciplina, Evolução das Artes Visuais II, ministrada por Michelle Sales, que fizéssemos uma produção artística a partir da expressão, "MOVIMENTO RUMO AO CONTATO", retirada do livro, Ato Fotográfico, de Philipe Dubois:

“[...] A fotografia é um movimento rumo ao contato, um movimento no espaço e no tempo. [...]  a fotografia exibe em seu centro um espaço a ser transposto, um afastamento, uma separação. Se a fotografia é um movimento rumo ao contato é porque em primeiro lugar ela se expõe  como 'distância' e porque essa distância é inicial, incompreensível: 'um longínquo’, por mais próximo que esteja." (DUBOIS, 2012, p. 247-248)

Realizei o meu trabalho orientado pela ideia de releitura de uma leitura. Parti da expressão sugerida  e, em seguida, me voltei para todos os pontos do livro que haviam me afetado criativamente e fiz uma releitura poética, utilizando texto e imagem.

SOBRE O PROCESSO

A linguagem escolhida foi a fotografia, mantendo coerência com o livro de referência -Ato Fotográfico – e as ideias giravam em torno da imagem gravada na retina, do escudo da medusa como espelho e da linguagem fotográfica.

Eu havia recolhido uma série de discos transparentes que vinham como proteção nas embalagens de CD e DVD. Arrumei-os sobre um espelho oval que, por sua vez, estava sobre uma mesa e, a partir daí, realizei um breve ensaio fotográfico buscando efeitos na transparência e nos reflexos. Também buscava um ponto focal e queria me colocar na cena de modo que o meu olho e o “olho” da câmera coincidissem com o centro do disco e o espelho refletisse tudo de volta para o meu olho, a imagem me olhando de volta.

movimentorumoaocontato#ensaiofotográfico#flávia Hargreaves#2009.

A partir das imagens, senti necessidade de escrever e fiz um exercício, chamado em arteterapia, de “escrita criativa” ou “escrita espontânea” – prática que também encontramos na Arte Dadaísta e Surrealista, cuja proposta é escrever livremente sem críticas ou retoques. Porém, neste exercício, eu não partia do nada, mas de um texto lido e relido e da experiência do processo de criação das imagens. A escrita foi usada como um fechamento do processo criativo.


MOVIMENTO RUMO AO CONTATO

Movimento rumo à morte
Refletida no espelho
Petrificada pelo olhar
Impressa na retina

O olhar do homem
O olhar do aparelho
Apontam para o escudo
Acertam o espelho

Múltiplos olhares
Tentam driblar a morte
Morte que congela
Petrifica, eterniza

O instante do contato
Capturado, impresso
Imóvel, eterno
Descartável.
movimentorumoaocontato#escrita poética e fotografia,: Flávia Hargreaves, 2009.

OUTRAS INFLUÊNCIAS

Gostaria de citar outras influências na realização deste trabalho que se situam além da leitura e da experiência solitária da criação. Com relação aos materiais, meu interesse já se voltava para as transparências e os espelhos, influenciada pela saudosa mestra, Maria de Lourdes Mader Pereira, com quem costumava conversar sobre minhas produções. Em sua casa, havia um conjunto de cubos de acrílico coloridos com os quais brincávamos, em uma espécie de canto de espelho, o que resultava em imagens magníficas de serem observadas. Também estava mobilizada com a obra, "Eyes and Mirrors" (1989-93), de Louise Borgeois (1911-2010), artista que me aproximou da Arte Contemporânea.

CONCLUINDO

Escrevo para todos aqueles que se afastam da Arte por não possuírem habilidades artísticas, como, por exemplo, o domínio do desenho realista... Repito que a arte não está atrelada a tais habilidades há mais de um século. O domínio da técnicas dependerá do caminho que cada um decida percorrer na Arte, trata-se de uma escolha. Considero que o exercício mais importante a se fazer seja a experimentação na busca do SEU meio de expressão, além de manter uma relação próxima e criativa com a Arte do seu tempo. Então, mãos à obra porque a Arte é para todos, e a Arteterapia pode ajudá-lo/a nessa jornada criativa que é a busca de si mesmo!

Referências:
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Tradução de Marina Appenzeller. 1ª reimpressão. Campinas: Papirus Editora, 2012.
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Caso tenha dificuldade em publicar seu comentário neste blog você poderá encaminhá-lo para o email:atelie.locus@gmail.com que ele será publicado. Obrigada.

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Flávia Hargreaves - Coordenadora do projeto artes.LOCUS - artes e desenvolvimento humano, Arteterapeuta AARJ 402, Professora de Arteliê de Artes e História da Arte aplicada à Arteterapia, Professora dos cursos de Formação Ligia Diniz, Leiza Pereira e Baalaka. Graduada em Comunicação Visual e Licenciatura em Artes Plásticas (EBA-UFRJ), Formação em Arteterapia Ligia Diniz. Foi colaboradora da Casa das Palmeiras (2014-2018) e Casa Verde (2009).                                                                                                                                                             
@ artes.locus
atelie.locus@gmail.com

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Comentários

  1. A relação com o espelho e seu reflexo é de grande profundidade.
    Lacan tem um texto importante, acho que função do espelho, ou algo assim, e a Astrologia me ajuda muito a compreender isso, junto com a Atenção Plena ou mindfulness.
    Os conteúdos desta relação especular são ricas imagens que insistem em nos confrontar pedindo tomadas de consciência.
    É o que me ocorre a primeira leitura do seu texto muito bom.
    Parabéns!!

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