UMA REFLEXÃO SOBRE O BELO E O QUE EU PRODUZO NA ARTETERAPIA

por Bárbara Pessanha

[REPOST - publicado originalmente em 17 de abril de 2019]

Hoje recebemos Bárbara Pessanha, que chegou ao artes.LOCUS para participar do grupo "Pintando e Bordando a Jornada do Herói" [1] , em maio de 2018, e está conosco nessa jornada desde então. De lá para cá também frequentou diversos cursos e workshops, sempre empenhada em se descobrir no mundo das imagens. Arteterapeuta em formação, e mergulhando nos estudos junguianos, compreendeu desde o início dessa caminhada a importância de investir no seu processo pessoal de produção de imagens e na experimentação dos materiais e linguagens artísticas que tanto defendemos nesse espaço.
O texto de hoje traz as suas reflexões sobre seu embate com a concepção do “belo” na Arteterapia.

Boa leitura,
Flavia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS
@artes.locus

[1] Pintando e Bordando a Jornada do Herói é um grupo terapêutico que tem como fio condutor os Arcanos Maiores do Tarô, coordenado por Flávia Hargreaves e Maria Teresa Rocha. Em 2019 passou a se chamar Grupo de Tarô Pintando Arcanos e em 2020 passou para o formato on-line.

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UMA REFLEXÃO SOBRE O BELO E O
QUE EU PRODUZO NA ARTETERAPIA
Por Bárbara Pessanha


Bárbara Pessanha # Natureza Morta # curso Arteterapia e História da Arte # 2018 # artes.LOCUS # Fotografia: Flávia Hargreaves.

Entrei em contato com a Arteterapia há quase dois anos e me lembro bem da minha maior, e primeira, dificuldade: a produção da “minha arte”. Pessoas que, como eu, não são “artistas” e que gostam de obras “concretas” figurativas e realistas, do tipo que não conseguem produzir, sentem que a mão não acompanha, ou simplesmente não ajuda na realização do que foi idealizado. Essa combinação desastrosa acaba sendo uma barreira para adentrar esse novo mundo sem pré-conceitos e de doação para a experiência e, quem sabe, para uma entrega à imaginação e à expressão abstrata. Voilà! Temos uma questão para trabalhar... e, assim, comecei a pensar na produção do belo dentro do espaço terapêutico.

Quando nos permitimos entrar nesse processo de mergulhar de cabeça na arte de um modo curativo, temos um gigantesco abismo diante de nós. É difícil vir alguém ao têmeno terapêutico liberto de desconfiança e expectativas; ninguém vem pronto para produzir com liberdade e sem julgamentos estéticos daquilo que sai de si. Culturalmente, somos comprometidos com o belo, o bom e o correto. Mas o que seria isso? Cada pessoa pode chegar a uma resposta bem íntima a respeito disso, no entanto, coletivamente falando é um assunto que entra na esfera moral, mesmo que de forma inconsciente. Nossa necessidade de ser virtuoso nas artes expõe nosso lado não dominado e não contatado com essa “pureza divina”, o que os grandes artistas parecem alcançar.

“Belo – junto com gracioso, bonito ou sublime, maravilhoso, soberbo e expressões similares – é um adjetivo que usamos frequentemente para indicar algo que nos agrada. Parece que, nesse sentido, aquilo que é belo é igual àquilo que é bom e, de fato, em diversas épocas históricas criou-se um laço estreito entre o Belo e o Bom.” (Eco, Humberto; Record, 2004, p.8)

Muitos autores pensaram o que é arte, ou o que se mostra como belo. Kant, Aristóteles, Hegel ... Sócrates, por exemplo, queria saber o que o belo é, e não o que é belo; além disso, acredita que o belo era percebido pelos sentidos (como algo que nos afeta). O belo é algo que é útil! Aí, pensando com os meus botões: o que fazer com a “inutilidade” que eu crio?

Rafael Sanzio  (Itália – 1483-1520) # Renascimento # Escola de Atenas # 1510-1511
Fonte: wikiart.org

Observei que, entre todos que pensaram a produção pessoal, Carl Gustav Jung foi o que chegou mais perto de me explicar por que eu deveria produzir mesmo não sendo Rafael, Monet ou Picasso. A imagem não é o que eu vejo, mas o que eu me permito ver! Com isso entramos numa outra esfera: o desafio da aceitação; o desafio de conversar com essa imagem realizada por mim. Passamos por todo um processo para fazê-la existir, a experimentação das matérias, a adequação a técnica e a possibilidade inventiva, que no ato criativo são também parte da imagem, elas também constroem o belo.

“... Apenas aquele aspecto da arte que existe no processo de criação artística pode ser objeto da psicologia, não aquele que constitui o próprio ser da arte. Nesta segunda parte, ou seja, a pergunta sobre o que é arte em si, não pode ser objeto de considerações psicológicas, mas apenas estético-artísticas.” (JUNG, 2013 - P.65, § 97)

E vai além:

A obra traz em si a sua própria forma; tudo aquilo que ele gostaria de acrescentar, será recusado; e tudo aquilo que ele não gostaria de aceitar, será a ele imposto. Enquanto seu inconsciente está perplexo e vazio diante do fenômeno, ele é inundado por uma torrente de embasamentos e imagens que jamais pensou em criar e que sua própria vontade jamais quis trazer à tona. Mesmo contra sua vontade nisso tudo é sempre o seu “si-mesmo” que fala, que é a sua natureza mais íntima que se revela por si mesma anunciando abertamente aquilo que ele nunca teria coragem de falar. Ele apenas pode obedecer e seguir esse impulso estranho... sente que sua obra é maior do que ele e exerce um domínio tal que ele nada lhe pode impor.” (JUNG, 2013 - P.73§110)

Perceberam que paramos de julgar o que podemos produzir? O belo se transforma numa consequência, porque o que estamos querendo atingir, toma outra esfera, a imagem fala e se nos permitirmos ela CONVERSA conosco. O “deixar fluir” na produção pode nos trazer maravilhas, não necessariamente na imagem, mas no diálogo que há de vir. A prática nos ajuda a produzir a beleza, seja lá o que isso signifique para cada um de nós, mas o importante é entender que o objetivo é o processo, o caminho, e tudo que nos permitimos até chegar à figura criativa.

Eu vejo hoje, que passei por esses momentos de frustração por não ser uma Da Vinci, e que com a aceitação de ser eu mesma a questão se o que produzo é arte ou se é belo deixou de ser uma questão e tudo se tornou relativo e em aberto. Tenho ainda expectativas de me agradar os olhos quando inicio um trabalho, mas permito o feio aparecer, acolho (é feio, mas é meu!). Depois dessa conversa nem sempre agradável, mas sempre produtiva, faço minha digestão terapêutica e me permito mudar o que foi produzido, ou não! O olhar muda quando mudamos o foco e a percepção. O processo é o ponto, onde nossa energia flui com a nossa capacidade de criar. A entrega, a emoção, a delícia de lidar com os materiais e a mobilização interior que a prática nos traz são a combinação que nos abre caminho para encontrarmos o belo dentro de nós. O belo que aceita o que as nossas mãos são capazes, que às vezes vão além das possibilidades, mas falam o que o coração sente, sempre!

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Referêbcias:
ECO, Humberto. A HISTÓRIA DA BELEZA. São Paulo, Ed. RECORD, 2004.
JUNG, Carl G. O ESPÍRITO NA ARTE E NA CIENCIA. Editora Vozes, 1985.
JANSON, H.W. HISTÓRIA DA ARTE. Fundação Calouste Gulbenkian, 6ª Edição.
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Bárbara Pessanha é 
Analista Junguiana e Arteterapeuta em formação. Participou da primeira edição do Grupo de Tarô Pintando Arcanos (2018-2019) e do curso Arte para Teraopeutas (2018). Em 2019 foi colaboradora do projeto artes.LOCUS.
@barbarapess

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