SAGRADAS FAMÍLIAS

Por Claudia Mauad
contato: claumauad@terra.com.br


Caixas Entomológicas  ressignificadas. Claudia Mauad e Bruna Andrade. 2018.



Hoje o artes.LOCUS recebe a artista visual e arteterapeuta em formação Claudia Mauad. Nosso primeiro contato foi em sala de aula, quando ministrava o módulo História da Arte e Arteterapia, no curso de Formação em Arteterapia Ligia Diniz, em 2018.
"Sagradas Famílias" nos traz um rico diálogo entre a arte, a ciência e família, na perspectiva da artista, mãe e futura arteterapeuta.
Boa leitura,
Flavia Hargreaves
Coordenadora do projeto artes.LOCUS

#arte#ciencia#arteterapia#familia#antonigaudi#sagradafamilia

SAGRADAS FAMÍLIAS
por Claudia Mauad


Templo Expiatório da Sagrada Família, Barcelona, Catalunha, Espanha. 
Projeto do arquiteto catalão Antoni Gaudí.

A série Sagradas famílias realizada entre os anos de 2016 e 2018 propõe um diálogo poético e estético entre eu e minha filha Bruna Andrade, ambas artistas visuais, bem como uma releitura de um fragmento da obra de Antoni Gaudí.  Bruna, que além de artista visual é tatuadora, é apaixonada pelo universo dos insetos e demais seres da floresta. Este interesse de minha filha foi a motivação para fotografar, em uma viagem a Barcelona, em 2016, detalhes das portas da fachada da Natividade da Igreja da Sagrada Família projetada pelo arquiteto catalão Antoni Gaudí.

O projeto da igreja foi assumido por Gaudí em 1883, quando tinha 31 anos de idade, dedicando-lhe os seus últimos 40 anos de vida, os últimos quinze de forma exclusiva. A construção foi suspensa em 1936 devido à Guerra Civil Espanhola e não se estima a conclusão para antes de 2026, centenário da morte de Gaudí.  Esta entrada representa uma enorme floresta com diferentes insetos, folhas e flores moldados em metal. Sua beleza é de tirar o folego, assim como toda a obra arquitetônica de Gaudí.

Modernisme é o nome que um movimento semelhante ao art nouveau recebeu na Catalunha, entre os anos de 1880 e 1910, sendo Gaudí um de seus expoentes. O art nouveau revaloriza a beleza, colocando-a ao alcance de todos, pela articulação estreita entre arte e indústria. A fonte de inspiração primeira dos artistas é a natureza, as linhas sinuosas e assimétricas das flores e animais. Antoni Gaudí, que estava na linha de frente deste movimento desenvolveu um estilo único que o tornou conhecido mundialmente.  Suas famosas construções -  a Sagrada Família, o Parque e o Palácio Güell, a Casa Batlló, a Cripta da Colónia Güell entre outras obras - são marcadamente ecléticas e expressivas. A ornamentação é uma característica essencial, frequentemente integrada ao próprio edifício, enfatizando seu projeto, função e construção. O arquiteto é famoso por misturar muitas cores e texturas nas construções, utilizando cerâmica, ferro forjado, vitral, e marcenaria, trazendo forte influência na arquitetura gótica e catalã tradicional.

O trabalho realizado por mim e Bruna Andrade tem vários pontos confluentes com a obra de Gaudí e, também, com o surrealismo. Primeiramente, as esculturas projetadas para a porta da igreja foram fotografadas e impressas em folhas de acetato, tendo sido feitas monotipias a partir destas.

Fotografias de detalhes das esculturas.

Arte, Ciência e Natureza

A ideia de posicionar as monotipias em caixa próprias para entomologia buscou criar uma relação entre arte, ciência e natureza e, como vimos anteriormente, esta era uma das propostas de Gaudí. As caixas entomológicas, objetos criados inicialmente para fins científicos, foram ressignificadas, sendo transformadas em objetos artísticos. Apropriação é uma atitude presente desde as vanguardas históricas, como o surrealismo e o dadaísmo, bem como é amplamente usada na arte contemporânea. A apropriação da obra de Gaudí por meio de fotografias que depois transformaram-se em monotipias e que, posteriormente, dialogaram com o desenho realizado por Bruna nas tampas das caixas é um procedimento onde várias técnicas artísticas foram conectadas, bem no espirito de união das diferentes expressões artísticas, típico da obra do artista catalão. A proposta do desenho se espalhar pela superfície de vidro, de uma forma lúdica e com referência a um universo da fantasia, também teve influência da obra de Gaudí que se utiliza desse recurso em sua obra arquitetônica a todo momento.


 
Caixas Entomológicas  ressignificadas. Claudia Mauad e Bruna Andrade. 2018.

O resultado é que as caixas entomológicas se transformaram em objetos artísticos, suportes para as monotipias tão cuidadosamente guardadas, mas igualmente “invadidas” pelo desenho de Bruna que toma conta das superfícies de vidro de diferentes maneiras, como tatuagens tomam conta da pele.


Arteterapia: A Arte e suas Histórias

Meu trabalho de criação artística sempre busca referências internas, da minha experiência pessoal, associadas a elementos da História da Arte. Nem sempre são apropriações, como este foi, mas fazem referência a alguma técnica ou procedimento estético usado em algum momento histórico.  Desta forma, é também um trabalho arteterapêutico, pois os processos artísticos em que me envolvo mobilizam minhas emoções e afetos; bem como tenho como tema, em muitos deles, as minhas relações familiares.

Todos os trabalhos que desenvolvi até hoje, incluindo este, me ajudaram a entender situações, muitas vezes dolorosas, em que estava passando. Neste trabalho, minha filha de 22 anos havia acabado de sair de casa para morar sozinha. Apesar da saída ter sido amigável, fiquei muito mobilizada com todo o processo. De alguma forma, ter realizado o trabalho com ela fez com que nos uníssimos em um novo espaço, agora poético e estético. Realizá-lo ajudou muito a entender o processo de rompimento que havíamos passado e buscássemos uma convivência artística, cada uma com sua linguagem, mas estabelecendo um renovado diálogo uma com a outra.


 Exposição da série na Villa Aymoré, na galeria Jacarandá, durante o período de 02/08/2018 até o dia 23/09/2018 dentro da mostra FotoRio Resiste. Claudia Mauad e Bruna Andrade. 2018.


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Claudia Mauad, 53 anos, aluna de arteterapia do curso Ligia Diniz, é formada em Educação Artística/ PUC-RJ, mestra em Ciência da Arte / UFF-RJ. Fez cursos de desenho, pintura e fotografia na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Já realizou diversas exposições, entre individuais e coletivas e possui obras suas em acervos como a Coleção Joaquim Paiva de Fotografia Contemporânea (atualmente em comodato com o MAM/RJ) e do SESC Rio de Janeiro. Trabalhou como coordenadora e professora de Artes Visuais no Colégio Pedro II - Rio de Janeiro de 1985 até 2015. 
Site da artista: https://www.claudiamauad.com

Bruna Andrade, 23 anos, licencianda em Educação Artística/ UFRJ-RJ. Atualmente tatuadora e sócia no estúdio Vulcão, já tatuou em diferentes estúdios no Rio de Janeiro e no Brasil.   Realizou exposição individual no Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo em maio de 2015.
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Comentários

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  3. Oi Claudia, percebo que a releitura de uma grandiosa obra de Gaudi auxiliou-a na saída de sua filha de casa para morar sozinha. A expressão do artista que mais nos comove, em geral, penso, e aquela que transmite muito de nossas questões pessoais.
    Sendo assim, trazer essa obra escolhida para a nossa realidade, através da releitura, facilitará o processo terapêutico proposto pela Arteterapia.
    Na atividade terapêutica com material de arte e técnicas expressivas, buscamos a solução do conflito que acomete o indivíduo seja numa Síndrome do ninho vazio ou na de pânico por exemplo.
    Nas escolas de pensamento da Psicologia, destaco duas, de que conheço, a Psicanálise e a Psicologia de Jung, penso que são grandes auxiliares na escolha da melhor técnica expressiva e o melhor material para o sucesso do processo arteterapêutico. Por que digo isto? Tenho percebido que muitos dizem que a psicologia faz interpretações. Pois vejo o contrário. Vejo nestas escolas casto material bibliográfico e estudos de caso discriminando sintomas, reações, tipos de personalidade, intervenções bem sucedidas, que podem contribuir para a escolha do material e técnica para a solução do conflito utilizando o processo arteterapêutico. Vale comentar como psicologa e arteterapeuta que sou, que essas escolas de pensamento tem seus próprios métodos terapêuticos que além da solução do conflito do sujeito, buscam o aprofundamento na causa do fenômeno que acometeu o indivíduo.
    Quero por fim comentar a escolha do material e técnica que vc compartilhou com sua filha, que achei perfeito para a situação que vivenciaram. A fluidez da tinta e excelente para a expansão das questões afetivas, ela resgata emoções contidas quanto a técnica, a monotipia, penso que, complementa o material porque também expande o desenho, dando lugar para percepção do conflito e a solução do mesmo.

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    1. Olá Luciana. Minha escolha de materiais , como artista visual, sempre foi muito intuitiva. Já trabalhei com pintura com meios fotográficos, pintura acrílica e , neste caso, o uso da caixa e da divisão/integração do espaço artístico entre eu e minha filha foi bem frutífero. Afinal, nossa questão era dividirmos espaços físicos, mas também afetivos. O processo de criação coletiva ajudou a explicitar e resolver nossos conflitos de uma forma simbólica e isso foi muito legal. Espero que vc tenha gostado!

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