PENSANDO SOBRE A COLAGEM NA ARTE E NA ARTETERAPIA [2]
por Flávia Hargreaves
fmhartes@gmail.com
[atualizado em 08/04/19]
fmhartes@gmail.com
[atualizado em 08/04/19]
Criação coletiva feita pelos alunos do curso
Introdução aos Materiais de Arte, junho 2018. Fotografia: Flávia Hargreaves
A colagem é uma técnica/linguagem muito
utilizada em Arteterapia, sendo, com frequência, um dos primeiros trabalhos
sugeridos no setting por ser considerado mais “seguro” do que
a pintura, por exemplo. Quem já passou pela Arteterapia como cliente já deve
ter se deparado com a sugestão de criar uma “colagem de apresentação”. O texto que se segue é um convite à reflexão
sobre o uso da colagem na Arteterapia, articulando o conhecimento da Arte com
as práticas arteterapêuticas, trazendo mais perguntas do que respostas, na
intenção de ampliar nossa percepção sobre essa prática.
Para começarmos a pensar sobre a colagem
e a Arteterapia, é preciso entender que esta ingressa na História da Arte no
século XX, com a Arte Moderna, e está presente nos processos artísticos até os
dias de hoje, seja como técnica ou como parte de uma construção poética. Sugiro
ao leitor um breve passeio pelas obras dos artistas modernos como Henri Matisse
(1869-1954), Pablo Picasso (1881-1973), Georges Braque (1882-1963), Juan Gris
(1887-1927), Max Ernst (1891-1976), Kurt Schwitters (1887-1948) e Hans Arp
(1886-1966), e dos poetas Jorge de Lima (1893-1953) e Ferreira Gullar
(1930-2016). E esse é só o começo de uma incrível viagem ...
Juan Gris, artista cubista, “tal como
Braque, disse ter sido atraído para a colagem por causa do sentimento de
certeza que lhe proporcionava. [...] Braque se refere aos fragmentos de papel
que, mais tarde, foram incorporados aos desenhos como suas ‘certezas’.”
(GOLDING, 1991). Essas afirmações fortalecem a ideia de “segurança” da técnica
defendida pela Arteterapia.
Outro aspecto importante da colagem é estarmos
trabalhando com “algo que já existe”, “fora” (fotografias, papéis coloridos,
objetos, etc.), não exigindo do cliente habilidades de desenho e pintura, ou
ter que “tirar” as imagens de “dentro”. Mas, precisamos estar atentos ao modo como
cada cliente lida com os materiais e com as técnicas artísticas. O que para um
parece assustador, para outro pode ser um prazer. Por exemplo, enquanto uma
pessoa se sente confortável em buscar imagens prontas e recriá-las numa
colagem, para outra esta pode se mostrar uma tarefa angustiante, buscando nas
revistas ou caixas de recortes a imagem que já tem em mente, preferiria,
talvez, criá-la a partir da sua imaginação.
Também devemos levar em consideração o
caso do cliente ser alérgico a tinta ou ter algum impedimento para pintar. Matisse,
em 1939, por motivo de saúde, recorreu à colagem fazendo recortes com papéis coloridos,
nos sugerindo a possibilidade de pensar o recorte como o ato de desenhar com a
tesoura, dando forma à cor, ou até mesmo como o ato de esculpir, lembrando o
artista renascentista Michelangelo (1475-1564), retirando da cor, do papel
colorido, como os escultores da pedra, o que não é a forma.
Entre os muitos modos de ver a colagem Hans
Arp, artista dadaísta, e Ferreira Gullar, poeta e artista diletante, vão trazer
o acaso para as suas criações. Os dois artistas passam por uma experiência
semelhante. Arp, em episódio frequentemente citado, insatisfeito com um desenho
rasga-o em pedaços que caem no chão e se surpreende com a expressão da
organização “acidental” e aceita o acaso. Gullar muda seu processo de colagem,
que fazia a partir de um desenho prévio, a partir de um “acidente” com o gato
que, ao passar, desarrumou seus recortes. Arp e Gullar integram o acaso no seu
processo criativo, e esse é um caminho muito interessante a ser explorado na
colagem em Arteterapia. A segurança aqui, já começa a ser relativa.
Max Ernst e Hans Arp, 1920. Colagem com fragmentos de fotografia,
guache, lápis, caneta e nanquim sobre papel cartão.
Max Ernst, artista surrealista, nos traz
novas perspectivas diante da colagem e nos diz: “a técnica da colagem é a
exploração sistemática do encontro casual ou artificialmente provocado de duas
ou mais realidades estranhas entre si sobre um plano aparentemente inadequado,
e um cintilar de poesia que resulta da aproximação dessas realidades.” (ERNST,
apud PASSETI, 2007). “Fracionar e rejuntar, como faz a colagem, não repõe a
unidade quebrada. Ela não pasteuriza nem pacifica. Não tem vocação democrática se
isto for entendido como união de todas as diferenças. Há diferenças que não
cabem em determinadas formas, mas cabem em outras.” (PASSETI, 2007). Podemos
trazer esse pensamento para as relações interpessoais, familiares ou para o
tema da inclusão, por exemplo.
E, se nos depararmos com um cliente que
gosta tanto de colagem que insiste em explorar uma única linguagem? Ele estaria
limitado? Congelado? Defensivo? Ou simplesmente teria encontrado a sua expressão
artística sendo esse o melhor caminho a seguir? São perguntas que nós,
arteterapeutas, precisamos nos fazer.
Como vimos, a ideia de segurança na
colagem é relativa e todas as expressões artísticas são potentes e reveladoras
no processo arteterapêutico. Nessa “colagem” de pensamentos, diante de um tema
tão extenso, espero ter aguçado a sua curiosidade sobre a colagem tanto na Arte
quanto nas práticas da Arteterpia.
E pra você, o que é colagem?
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Referências:
PASSETI,
Dorothea Voegeli. Colagem: arte e antropologia.In: ponto-e-vírgula, 1: 11-24, 2007.
Disponível em :
GOLDING, John. Cubismo. In : STANGOS, Nikos (org.). Conceitos
de Arte Moderna. 2ª ed. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1991.
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Gostei muito do texto! Para mim as colagens são muito importantes e vai além do papel também.
ResponderExcluir... vão muito além do papel.
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