CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA EM ARTE

por Flávia Hargreaves
fmhartes@gmail.com

Revisão de conteúdo por Regina Diniz


Pintura (tinta acrílica sobre tela, maio de 2017)  e fotografia: Flávia Hargreaves.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA EM ARTE
E INTERLOCUÇÕES COM A ARTETERAPIA.

A leitura de Nachmanovitch tem me levado a refletir sobre a minha prática profissional, como artista, professora e arteterapeuta, no que tange à expressão espontânea, que tanto tenho defendido na Arteterapia, mas desta vez abordando a questão da prática em arte.

“[...] Invente um canal por onde a criatividade possa fluir do coração para a realidade, e uma maneira de registrar o trabalho para que mais tarde, num outro estado de espírito, você possa avalia-lo e corrigi-lo. O exercício, a experimentação, deve estar totalmente livre de julgamento, brotando diretamente do coração. Então, meses ou talvez minutos mais tarde [...] comece a mesclar a livre expressão com o julgamento, permitindo que eles se manifestem ao mesmo tempo. [...]” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 72).

“[...] Tornar os pequenos atos impecáveis permite reunir corpo e mente numa mesma corrente de atividade. É esse exercício físico que liga a inspiração ao produto acabado [...]” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 73).

Nas citações acima, destaco a importância da livre expressão e do exercício técnico, deixando questões sobre avaliação para, talvez, outro texto... Proponho, a partir dos dois pontos mencionados, pensarmos em duas abordagens sobre a prática em arte: 1) Prática na busca de aquisição de habilidades técnicas próprias da linguagem expressiva escolhida; 2) Prática da experimentação livre dos materiais e da expressão propriamente dita.

PRÁTICA ARTÍSTICA = EXPERIMENTAÇÃO LIVRE + TÉCNICA

Se, por um lado, a perspectiva técnica (1) pode se colocar como um obstáculo à livre experimentação e expressão (2), por outro, percebo que a falta da primeira também pode se tornar um obstáculo à realização, afastando o autor da materialização satisfatória da sua ideia. A frustração pode levar à desistência dessa linguagem ou meio de expressão. A questão que se coloca aqui me leva a perguntas como, por exemplo, onde ou como buscar recursos para impedir essa desistência ou, pelo menos, como promover o encontro saudável da pessoa com a sua linguagem expressiva, sem descartar nenhuma, a priori? Sem descartar o desenho, por não ter estudado a sua forma clássica, e assim por diante...

EM BUSCA DE RECURSOS PARA PROMOVER O
ENCONTRO SAUDÁVEL COM A TÉCNICA

Desenho (lápis de cor sobre papel, junho de 2017) e fotografia: Flávia Hargreaves.

Como dizia a mestra, artista e educadora, Maria de Lourdes Mäder Pereira (Dona Lourdes), a técnica deveria ser buscada e explorada conforme a necessidade de cada um na realização da sua produção. O primeiro encontro com os instrumentos de trabalho deveria ser de descoberta, guiada pela curiosidade, própria das crianças, e este espírito mágico precisaria ser mantido vivo. A técnica deveria entrar em cena, em um segundo momento, ser estudada, explorada e experimentada criativamente, ampliando o nosso repertório e possibilidades de criar.

Certa vez, como monitora de um ateliê terapêutico de pintura, um cliente da instituição estava muito aborrecido e queria desistir de pintar porque as áreas de cor, definidas por ele, manchavam. E, claro, ele não queria isso. A intervenção da pessoa responsável foi imediata, dizendo que estava lindo e que não tinha problema manchar: o importante era fazer. Trago esta fala porque já a ouvi muitas vezes, mas precisamos ouvi-la com mais atenção. Basicamente, os sentimentos do cliente com relação à sua produção foi desconsiderado e a ele não foi oferecido, de início, recursos técnicos para evitar que a situação se repetisse. Aos poucos, fui explicando, tecnicamente, porque as áreas de cor invadiam umas as outras e como ele poderia evitar, tecnicamente, esta situação. Na verdade, a solução era muito simples, nesse caso. Ele precisava esperar a área secar, precisava ter mais paciência. Esta orientação técnica básica tirou-o de sua angústia e frustração, as quais o afastavam da linguagem escolhida.

 CONCLUINDO: INTERLOCUÇÕES COM A ARTETERAPIA.

Revendo meus conceitos e preconceitos com relação às técnicas artísticas na prática da Arteterapia, concluo que não podemos excluí-las, em nome da livre expressão ou mesmo de uma valorização do processo sobre a obra acabada. Ignoramos, muitas vezes, o desejo do cliente-autor que está diante de nós, insatisfeito com o resultado técnico da sua produção, de encontrar um modo, uma técnica que atenda às suas necessidades de expressão. Talvez isso tenha a ver, também, com o seu momento de vida...

Mesmo pensando a técnica, em determinada linguagem expressiva, como algo que se adquire com a prática, e esta implica em exercício e estudo do conhecimento acumulado, isso não significa, como já disse, a exclusão do exercício da livre experimentação. As duas abordagens não se excluem, mas se complementam e, ambas, levam à aquisição de habilidades na resolução de problemas técnicos e a sentimentos mais positivos sobre a livre experimentação.

Claro que surgem, tanto no fazer e ensinar arte, como em um processo arteterapêutico, situações mais complexas para as quais não temos uma resposta pronta. Mas se abrirmos um espaço em nossa agenda atribulada para as nossas pesquisas e experimentações artísticas, estaremos mais preparados para acompanhar o outro (cliente-autor) em sua busca de soluções, ao longo de seu processo, para dar forma e materializar seus pensamentos e sentimentos.

Tanto o exercício programado quanto a improvisação, temas aos quais Nachmanovitch se debruça no livro “Ser Criativo” (1993), nos levam a erros e acertos com os quais devemos lidar de modo criativo. Nessa perspectiva, a técnica é libertadora e será possível repensá-la na prática da Arteterapia.

#arte
#arteterapia
#pratica artistica

Referências:
NACHMANOVITCH, Stephen. Ser Criativo. O poder da improvisação na vida e na arte. 5ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 1993.
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Comentários

  1. Excelente articulacao, Flavia entre a pratica, exercicio da arte, os conflitos e desacertos que por vezes se colocam como obstaculos e ate podem contribuir mesmo para que desistamos de alguma tecnica, por falta de recursos ou acesso a maior conhecimento. Parabens!

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    1. Obrigada Tania. Estarei sempre compartilhando minhas reflexões e fico feliz em saber que você está nos acompanhando. Bjs. Flávia.

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  2. Comentário enviado por Renata Cé, via facebook em 14/06/17:
    "Muito bom seu texto. Realmente é comum priorizarmos muito a espontaneidade criativa para deixar fluir​ os sentimentos e acabamos por menosprezar um pouco a técnica. Muito enriquecedora sua reflexão. Vou me atentar mais a isso quando eu for atender. Estou só no início de minha jornada e tenho muito a aprender. Gratidão por compartilhar textos tão ricos."

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    1. Obrigada Renata, estamos aprendendo sempre. Fico feliz de estar contribuindo para seus estudos. Bjs. Flávia.

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  3. Comentário enviado por Cíntia T Rodrigues Magacho, via facebook em 14/06/17:
    "Excelente reflexão! Já passei pela desistência por não dominar a técnica... Esse é um desafio que enfrento como Arteterapeuta que iniciou pela psicologia e não pela arte! Mas que bom que sempre podemos aprender!!!"

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    1. Obrigada Cintia, é muito comum a desistência e por isso nós que escolhemos a arteterapia não devemos nos apressar em fugir de uma linguagem. Devemos experimentar e explorar várias e, claro que uma hora encontraremos alguma que nos mobilize e devemos nos aprofundar nela. Bjs. Flávia.

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  4. Maravilhoso....a necessidade faz a busca pelas ferramentas necessárias à própria superação. Na arte assim como na vida a espontaneidade consciente, acredito que esta seja uma boa expressão! Consciência, "awareness", como na Gestalt-Terapia, faz com que o autor/paciente/cliente/artista esteja atento para o movimento espontâneo assim como para às necessidades de superação do próprio movimento ou das dificuldades dele!
    Adorei o texto Flávia, parabéns pela articulação!

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    1. Obrigada Maria Cristina, podemos explorar mais esta ideia "espontaneidade consciente"... pensando sobre as dificuldades e obstáculos voltamos à velha frase "a necessidade faz o sapo pular".

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  5. Reflexão que conduz a outras. Considera o fazer espontâneo, convocando para o fazer técnico. Muito bom porque ponderado. Palmas, muitas palmas.

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    1. Obrigada Martha, iniciando o processo espontâneamente e a consciência aos pouco é convocada e a técnica atravessa este processo na busca de soluções. Bjs. Flavia.

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  6. Comentário enviado por Sonia Guimarães, via email em 17/06/17: "Estive apenas 2 vezes no ateliê e confesso, a total falta de técnica, diante de outros que a possuíam, me intimidou. Lendo seu texto percebi o quanto será necessário deixar fluir a espontaneidade infantil que possuímos para que alguma técnica, se eu assim desejar, se introduza. Escrevo muito e a produção fica meio capenga, apesar de "rica", por não me submeter às normas que me são passadas. Seu texto foi muito importante para mim. Obrigada"

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    1. Obrigada Sonia pela sua participação. Esta troca é sempre muito rica e seus comentários sempre me levam a ver e rever minhas posições. A técnica pode ter este efeito intimidador e não deve ter, ela deve responder a um desejo de realizar algo de determinada maneira, e é sempre bom lembrar que a matéria tem suas leis. Bjs. Flávia.

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