REFLEXÕES EM BUSCA DE UM MÉTODO

por Flávia Hargreaves
fmhartes@gmail.com


Fotografia: Flávia Hargreaves


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Neste momento sinto necessidade de rever, parar, organizar para poder seguir. Em 2008 concluí minha formação em Arteterapia com Ligia Diniz, e em 2010, a Licenciatura em Artes Visuais, UFRJ. Passando os olhos nestes últimos 8 anos, vejo que o trabalho que desenvolvo como professora e como arteterapeuta se distancia muito do modelo aprendido. Reconheci no meu movimento na vida um sentimento constante de inadequação, de insatisfação, de sempre achar que pode ser melhor ou, pelo menos, diferente. Certa vez uma pessoa muito próxima, que me observava meio quieta, me ligou e eu comecei a reclamar com um mau humor crescente, ao que ela respondeu prontamente: - Graças a Deus, você está de volta!;  levei um susto, mas é por aí... Quem me conhece, sabe [e agora deve estar dando uma gargalhada!].

Mas deixando as reclamações de lado, no tocante a Arteterapia, sigo buscando respostas. Porém, não mais para uma definição da Arteterapia como disciplina, como profissão, como mercado de trabalho ou questões acerca do seu reconhecimento, legislação, etc. Hoje, às vésperas dos 50 anos, como não poderia deixar de ser a pergunta se volta para mim: O que a Arteterapia representa na minha vida e, principalmente, de que modo eu a coloco em prática? E esta é a reflexão que pretendo compartilhar com vocês neste espaço.

Minha prática como arteterapeuta entende Arteterapia como uma modalidade terapêutica em que o cliente é convidado a se experimentar em um movimento próprio de um ateliê de artes, que é por princípio uma oficina, um lugar de trabalho, um lugar onde a materialidade ganha novos significados.
Nesta perspectiva tudo começa com um ambiente que oferece possibilidades, para alguns será uma novidade, para outros significa estar em casa, ou ainda um lugar conhecido a ser recuperado. Estar em um ateliê desperta emoções e reações diversas. Cada um tomará o seu tempo para criar intimidade com o lugar, com os materiais disponíveis e com os muitos convites que o aguardam. Entrar neste lugar, significa se abrir para o convite dos materiais prontos para serem transformados em outra coisa. Mas em quê? Não sabemos, mas é aí que reside o mistério e a beleza.

Em busca de um método...

Sim, é necessário reconhecer o método. Busco, na maioria das vezes, a expressão espontânea a partir da experimentação livre dos materiais sem uma técnica a priori. A busca de um meio e de uma linguagem que consiga materializar “melhor” os conteúdos que precisam ser expressos podem variar muito. A escolha pode ser feita pela estranheza, pode ser um desafio, outras vezes movida pela segurança, pelo prazer, ... , são muitos os modos e os porquês. E é justamente por isto que a escolha do material e o modo de manipula-lo deve estar nas mãos e na responsabilidade do “cliente”, cabendo ao arteterapeuta tornar isto possível.

Cliente?

O termo cliente sempre me incomodou por remeter a ideia de um negócio, e também a uma certa dependência. Segundo o “pai google”, na antiga Roma, “CLIENTE” era “o indivíduo que estava sob a proteção de um patrono”, o que confirma a perspectiva da dependência. Decidi que não quero mais esta palavra, mas qual a substituiria? “ARTISTA”? Também descartei o termo por vir impregnado de julgamentos e exigências que não cabem na perspectiva terapêutica, muito embora possa produzir “coisas” que muito facilmente poderiam ser consideradas obras de arte. Faço esta distinção enfatizando a intenção com a qual a “coisa” é criada.

Então, cheguei à palavra “AUTOR”. Voltando ao “pai google”: “o que origina algo; agente; indivíduo responsável pela criação de algo, inventor, descobridor.”  Bem, acho que esta eu consegui responder.

Recapitulando...

Então temos um AUTOR em um LUGAR DE TRABALHO com muitas POSSIBILIDADES à disposição para CRIAR coisas de modo livre e espontâneo, sem o receio de julgamentos, que irão expressar suas emoções, seus conflitos, suas necessidades, etc. Estas "coisas" que podemos chamar de "imagens" precisam ser entendidas em todo o seu processo de construção, contemplando “o que” e o “como” foi feito, com todas as suas idas e vindas, hesitações, palavras ditas, gestos, foco, tempo, empenho em cada momento, em cada parte da "coisa/imagem".

Mas a Arteterapia seria então somente a experiência vivida no ateliê na produção espontânea de "coisas/imagens"?

Não. É importante que o autor veja o que produziu, como produziu e se (re)pense e se (re)veja na vida a partir da sua produção acompanhado pelo arteterapeuta. Esta conversa é fundamental para que se caminhe no processo terapêutico, o que não é uma interpretação de imagem. É preciso que se tome o tempo necessário para ficar em contato com a coisa/imagem para que o sentido se revele.

Mas como eu disse existem muitos “modos”, e estes muitos “modos” se estendem à minha atuação como arteterapeuta. Descrevi o modo espontâneo que tenho como principal, ou até mesmo meta, porque visa a autonomia do "cliente", e por isto "autor", no setting e fora dele, ou seja a meta inclui em dado momento o indivíduo ter alta.

Muitos modos... um método flexível?

Voltando aos “modos”, nem sempre funciona a proposta espontânea. Algumas vezes ou em dada circunstância entendo que cabe uma proposta mais diretiva como, por exemplo, fazer uma boneca, uma colagem sobre algo, ou uma ação como quebrar, amassar, rasgar, etc. Já tive esta experiência algumas vezes com resultados surpreendentes.

Não há uma regra, ou um modo certo que funcione para todos. Mas um aspecto que tem se tornado importante na minha prática é que além de entender o cliente como autor do seu processo, responsabilizando-o pela "coisa/imagem" criada a ponto de ser capaz de encará-la, proponho que ele reconstrua todo o processo identificando com verbos todas as ações realizadas naquela construção. Ele precisa desconstruir e reconstruir a imagem dentro de si para descobrir o seu sentido. Tudo o que foi necessário fazer, por isso a oferta de possibilidades no fazer do ateliê deve ser ampla, para que ele possa suar, fazer força, fazer, desfazer, refazer até que esteja satisfeito com sua coisa/imagem, ou seja, com a sua obra.

Concluindo...

Como escrevi no início desta reflexão é preciso olhar para os lados, dialogar e aprender com os que já caminharam mais e por outros lugares, para não cairmos na armadilha de reinventar a roda. E os encontros não faltam para esta nova empreitada de estudo que agora se volta para a estruturação e identificação do meu método de trabalho em Arteterapia, talvez eclético como aponta a leitura de Judith Aaron Rubin cujo material me foi apresentado por Tânia Maria Netto, que tem me orientado nesta empreitada.

Referências:
RUBIN, Judith Aaron. Approaches to Art Therapy. Theory and Techinique. Third edition. Ed. Routledge. New York, 2016.
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texto publicado originalmente em 03/10/2016 http://nao-palavra.blogspot.com.br/

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