SOBRE LIMITES E POSSIBILIDADES

–Reflexões sobre como introduzir o uso de materiais expressivos
na prática profissional  de arteterapeutas e profissionais de áreas afins –

por Flávia Hargreaves
fmhartes@gmail.com

Revisão de conteúdo por Regina Diniz

Trabalhos realizados no curso “Arteterapia: conhecendo os materiais 
e aprendendo a usá-los”,  17ª  edição, 2017. Fotografia: Flávia Hargreaves.

Como já mencionei anteriormente, apesar de, em minha prática como arteterapeuta, eu buscar a expressão espontânea, a experimentação livre dos materiais e, frequentemente, disponibilizar uma grande variedade de cenários, essa oferta variada não significa estimular o “pular de uma coisa para outra”, mas sim,  incentiva o selecionar,  o escolher os meios e a sua linguagem (desenho, pintura, colagem, fotografia, etc.) e o mergulhar na exploração dos modos, na busca de novas possibilidades. Esse processo sugere que o indivíduo desenvolva novas habilidades e perceba que, na vida, muitas vezes, o que lhe falta não são os meios, mas a conscientização destes, assim como a busca de novos modos de lidar com eles (os meios), sem perder de vista seus limites e possibilidades.

É nesse sentido que compreender a tensão entre possibilidades e limites, oferecida por cada material, dá um novo significado ao seu uso, na arteterapia e em áreas afins, já que, na vida, também vivemos nessa tensão, a qual não deve ser evitada, mas reconhecida e usada a nosso favor, como mola propulsora de nosso desenvolvimento psíquico e cognitivo.

Lendo Nachmanovitch:

“Os limites são regras de um jogo a que voluntariamente nos submetemos ou circunstâncias que escapam a nosso controle, e exigem de nós adaptação. [...] a necessidade nos obriga a improvisar com o material que temos à mão, a recorrer a uma engenhosidade e a uma inventividade que talvez não emergissem se pudéssemos adquirir soluções prontas. [...] Às vezes amaldiçoamos os limites, mas sem eles a arte não é possível. Eles nos proporcionam algo com o que trabalhar e contra o que trabalhar. No exercício de nossa arte, submetemo-nos em grande medida àquilo que os materiais nos determinam.” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 81).

Lendo Ostrower:

“Cada materialidade abrange, de início, certas possibilidades de ação e outras tantas impossibilidades. Se as vemos como limitadoras para o curso criador, devem ser reconhecidas também como orientadoras, pois dentro das delimitações, através delas, é que surgem questões para se prosseguir um trabalho e mesmo para se ampliá-lo em direções novas. De fato, só na medida em que o homem admita e respeite os determinantes da matéria com que lida como essência de um ser, poderá o seu espírito criar asas e levantar vôo, indagar o desconhecido.” (OSTROWER, 1997, p. 32).


COMO APRESENTAR, ENTÃO, ESSAS REFLEXÕES E ESSE CAMINHO PARA OS PROFISSIONAIS DA ARTETERAPIA E DE ÁREAS AFINS?

Explorando fotograficamente formas tridimensionais no curso 
“Arteterapia: Conhecendo os materiais e aprendendo a usá-los”,
 17ª  edição, 2017. Fotografia: Flávia Hargreaves.

Devo dizer que, de um modo intuitivo, eu mesma trilhei esse caminho dos limites e das possibilidades, na construção do programa do curso, “Arteterapia: conhecendo os materiais e aprendendo a usá-los”. Desde sua primeira edição, em 2009, com 4 aulas, passou por muitas complementações, de forma que, atualmente, comporta 13 aulas. Esse modo intuitivo de construção, considerando os limites e as possibilidades, foi um primeiro passo para uma proposta de uso de materiais expressivos, no setting arteterapêutico, cada vez mais consciente e deliberada, na direção do estímulo à criatividade no lidar com esses materiais, o que, sem dúvida, promove a abertura de um leque de alternativas para solução de problemas e uma flexibilidade psíquica e cognitiva, fundamentais para o bem-estar de nossos clientes.

Considero a “intuição” fundamental para a construção de um plano de curso, aliás, para a criação em geral, mas, após o insight inicial deflagrado por ela, é preciso buscar subsídio, na experiência prática, no ouvir os alunos e no estudo de autores reconhecidos nessa área de pesquisa, para que o programa de um curso de técnicas e materiais plásticos aplicados à arteterapia se torne consistente e não se perca em receitas e respostas prontas que ajudarão, de modo limitado, os profissionais a quem se destina, não lhes proporcionando, inclusive, autonomia.

As aulas iniciam com escassez de variedade e quantidade de materiais... Costumo ouvir: “mas eu só posso usar uma cor?”.  Ao que respondo: “é o que temos para hoje!”. No decorrer do trabalho, entretanto, sempre uma surpresa... O limite gera novas possibilidades e, em dado momento, o aluno se sente mais estimulado e desafiado do que limitado. Ao final, os resultados, de fato, arrebatam seus autores. Ou seja, os mesmos meios geram novos modos.  Dessa forma, o aluno, profissional da arteterapia e de áreas afins, vivencia essa proposta para poder implementá-la em sua prática profissional e, quem sabe, em sua própria vida...

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Referências:

NACHMANOVITCH, Stephen. Ser Criativo. O poder da improvisação na vida e na arte. 5ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 1993.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis : Editora Vozes, 1997.
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Comentários

  1. o limite não restringe as possibilidades, que são ilimitadas, que depende do olhar e o fazer.

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  2. Parabéns pelo texto e pela atualidade na abordagem do tema que instiga mas tambem incomoda a muitos... o que a meu ver podetia ser traduzido em limites e suas possibilidades. Abraço.

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